Aberração de Lewandowski é maior do que parece 01/09/2016
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, não gostou de ver o boneco Petralovski. A assessoria do STF, com o seu consentimento, já que não interveio em sentido contrário, solicitou uma investigação à Polícia Federal. O homem deveria ter mais amor ao humor e à Constituição, que lhe cumpre respeitar.
Vamos ver. O Parágrafo Único do Artigo 52 da Carta é claro, sem espaço para ambiguidade: o Senado vota o impedimento da presidente, COM A INABILITAÇÃO para o exercício de cargos público. Não obstante, o que fez o presidente do Supremo?
Ignorou o texto constitucional, alegando que seguia o Artigo 312 do Regimento Interno do Senado, que obriga a Casa a aceitar destaques de bancada.
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ATENÇÃO PARA O TRIPLO SALTO CARPADO LEGAL DADO POR LEWANDOWSKI: ELE ACEITOU O FATIAMENTO DA CONSTITUIÇÃO.
Entenderam? Lewandowski permitiu que parte dos senadores considerasse sem efeito um trecho da Carta Magna. É uma aberração.
Pergunta óbvia: era essa a matéria que estava em votação? É evidente que a Constituição foi fraudada.
O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, afirmou que o partido vai recorrer ao Supremo com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) contra a decisão tomada pelo Senado — sob os auspícios do senhor Ricardo Lewandowski.
DEM e PSDB chegaram a anunciar a mesma coisa, mas depois desistiram. Alegam que isso poderia reabrir o julgamento.
É bobagem! Se levar o Supremo a reexaminar o impeachment corresponde a reabrir a questão, então ela será reaberta porque o advogado de Dilma já está com a ação preparada.
Não há como. A Constituição foi ferida. E há dois instrumentos para levar o Supremo a rever o assunto: a ADPF e a Mandado de Segurança.
Lewandowski até que vinha se portando mais ou menos bem. Deu a primeira escorregada quando resolveu acatar a absurda argumentação do PT e recusou o procurador Júlio Marcelo de Oliveira como testemunha de acusação.
Ele falou como informante.
Estava ali dando munição para os recursos da defesa, é claro!
Ontem, quarta, parecia especialmente tenso. De tal sorte era assim, que ele se negou a empregar as expressões “impedimento”, “impeachment” ou mesmo “perda do cargo”, como está na Constituição.
Ao anunciar a votação e depois seu resultado, referiu-se à punição como “quesito”.
Sim, o presidente do Supremo anunciou que 61 senadores haviam votado a favor “do quesito”.
A conspirata já estava em curso.
Se a moda pega, doravante, ao se votar qualquer matéria no Congresso que agrida a Constituição, basta fazer o seguinte: propor um “destaque” tornando sem efeito um trecho da Carta.
Não me lembro de vergonha semelhante nem no Senado nem no Supremo.
O mais espantoso é que, ao se atribuir ao chefe do Poder Judiciário a tarefa de conduzir o julgamento do presidente da República — ainda que ele seja feito numa casa essencialmente política —, o que se espera é justamente a garantia da isenção e a mais estrita observância da ordem legal.
Renan e Lewandowski atuaram de modo a criar uma espécie de fato consumado, ainda que jogando a Constituição da lata do lixo.
Imaginem: se as ações chegarem mesmo ao Supremo, 10 ministros haverão de ser confrontados com uma decisão tomada por um membro da Casa, quando na Presidência do Poder e do julgamento, endossada por uma expressiva minoria: 36 senadores.
Parece-me evidente que se faz a aposta no constrangimento.
E é bom que se fique atento. Quem é capaz de proceder desse modo pode tentar aventuras maiores.
Cumpre lembrar que, numa das intervenções que o Supremo fez no processo de impeachment, Lewandowski sugeriu que entendia que o Senado não era soberano para decidir — ou por outra: que a palavra final haveria de caber mesmo ao Supremo.
Não sei quais outras feitiçarias pode ter em mente quem não consegue falar nem “perda do cargo”, preferindo dizer “quesito”.
A propósito: uma das funções do Supremo é zelar justamente pelo cumprimento da Constituição. Não consta que qualquer um de seus membros tenha licença fraudá-la.
Ah, sim: Celso de Mello, decano do tribunal, disse o óbvio: a perda do mandato supõe a inabilitação.
Ainda que o julgamento de Fernando Collor, como já expliquei aqui, tenha aberto o precedente, duas aberrações não criam o estado da arte do direito.
Como se nota, o petralhismo foi apeado do poder, mas não está morto.