Uma jornada republicana 13/09/2016
- JOSÉ CASADO - O GLOBO
Vai ser um trimestre pródigo em emoções fortes na política, por iniciativa do Judiciário e do Ministério Público. Isso ficou evidente, ontem, na peculiar cena da posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.
Escolhido porta-voz do colegiado de juízes, Celso de Mello avisou: o Supremo escolheu a ocasião para emitir uma “advertência, severa e impessoal” sobre sua determinação de “repelir qualquer tentativa de captura das instituições do Estado por organizações criminosas constituídas para dominar os mecanismos de ação governamental”.
Desenhou a formação de “uma estranha e perigosa aliança” entre agentes públicos e empresariais “com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos, profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado”.
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Acrescentou: “Tais práticas delituosas — ainda mais quando perpetradas por intermédio de organizações criminosas — enfraquecem as instituições e comprometem a própria sustentabilidade do estado democrático.”
Na audiência destacavam-se o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Sarney, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel — entre outros citados, envolvidos ou investigados na meia centena de inquéritos sobre corrupção supervisionados pelo tribunal.
Há 27 anos Mello integra a corte onde juízes são, na essência, políticos vestidos de toga. Seria imprudência apostar que o seu discurso, combinado e revisado em cada palavra, foi mera peça de retórica destinada ao acervo do tribunal.
“Práticas desonestas de poder”, insistiu, “deformam o sentido democrático das instituições e conspurcam a exigência de probidade inerente a um regime de governo e a uma sociedade que não admitem nem podem permitir a convivência, na intimidade do poder, com os marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental, degradando-as, e transformando-as em um meio desprezível de enriquecimento ilícito.”
Aplainou a trilha para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na sequência, para quem “o sistema da Nova República está em xeque”. Responsável por inquéritos sobre 49 personalidades com foro privilegiado, Janot acha que o país precisa escolher entre duas alternativas: “A primeira, danosa e inaceitável, consiste numa reação vigorosa do sistema adoecido contra as instituições que combatem a sua estrutura intrinsecamente patológica. A segunda, mais auspiciosa, revela-se em um movimento virtuoso de tomada de consciência da sociedade e de autodepuração do próprio sistema político-jurídico, na busca de um novo arranjo democrático.”
A cena ganhou adorno irônico quando a nova presidente do Supremo, Cármen Lúcia, pediu licença para cumprimentar, primeiro, não a principal autoridade convidada, Temer, mas “Sua Excelência, o povo”. Terminou com juízes admitindo ser “muito difícil” o STF recuar na decisão sobre prisões depois da condenação em segunda instância. Enquanto isso, o pôr-do-sol surpreendia a Câmara, no outro lado da Praça dos Três Poderes, abrindo o ritual para cassação do mandato de seu ex-presidente, Eduardo Cunha, alvo central em múltiplos inquéritos sobre corrupção.