Espetáculo de Deltan Dallagnol só serve à impunidade de Lula 16/09/2016
- REINALDO AZEVEDO - FOLHA DE S.PAULO
Não escrevo, não falo e não penso para saciar a sede de sangue de ninguém. Comigo, ou as coisas são feitas segundo as regras do Estado democrático e (atenção para o conectivo!) de Direito ou não servem.
Não combati a civilização petralha porque "eles" são "eles" e "nós" somos "nós". Eu a combati por causa de seus métodos. Os que me detestam não são os meus interlocutores às avessas nem meus guias morais por contraste. Não serão eles a definir as minhas escolhas. Eu as faço sem levar em conta o que eles pensam. De resto, a minha profissão não é ser antipetista. Não sou funcionário das obsessões alheias.
Acho que Lula, com efeito, é o chefe do petrolão. Acho que ele era o chefe do mensalão. Na verdade, há 15 anos escrevo que o considero o chefe de um esquema para assaltar a institucionalidade. Mas se, por isso, esperam que condescenda com o show de Deltan Dallagnol, podem tirar o cavalo da chuva. E repudio aquele espetáculo, entre outras razões, porque o considero contraproducente. Há uma boa possibilidade de o buliçoso procurador ter assinado na quarta-feira (14) a absolvição do chefão petista.
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Quem lê a denúncia entende por que a força-tarefa acusa Lula, no caso do apartamento de Guarujá, de corrupção passiva. Mas já se tornam nebulosas as razões que justificam a acusação de lavagem de dinheiro. Incompreensível mesmo é por que não se incluiu o tipo penal que caracteriza dois terços do texto: membro de uma organização criminosa. Ou não é isso que revela aquele organograma?
E não vale dizer que isso será feito no âmbito do Supremo, como sugeriu aquela estranha entrevista coletiva.
A gritaria nas redes sociais em razão do que escrevi no blog e afirmei no programa "Os Pingos nos Is", na Jovem Pan, foi gigantesca. Esperavam que eu fosse voar na jugular de Lula –afinal, "eles" são "eles", e "nós" somos "nós", certo? Mas voei foi na jugular de Deltan porque "eu" sou "eu". Sou funcionário apenas das minhas convicções, ancoradas em fatos. Aí, sim!
Não vivo nem de vaia nem de aplauso. Infelizmente, a denúncia é fraca. Há lá pérolas como esta:
"Em datas ainda não estabelecidas (sic), mas certo que compreendidas entre 11/10/2006 e 23/01/2012 (sic), LULA, de modo consciente e voluntário, em razão de sua função (sic) e como responsável pela nomeação e manutenção de RENATO DUQUE e PAULO ROBERTO COSTA nas Diretorias de Serviços e Abastecimento da PETROBRAS, solicitou, aceitou promessa e recebeu, direta e indiretamente, para si e para outrem, inclusive por intermédio de tais funcionários públicos, vantagens indevidas (...)".
Ou ainda: "Evidentemente, dada a envergadura do cargo que ocupava na época (sic), não cabia a LULA requerer diretamente as vantagens em decorrência de cada contrato firmado pela PETROBRAS. Para tanto, contava com funcionários públicos, RENATO DUQUE e PAULO ROBERTO COSTA, em posições fulcrais para influenciar, com o oferecimento de benefícios (...)"
Essas são apenas algumas das passagens em que a precipitação e o gosto pelo espetáculo confundem a denúncia de cometimento de crimes com responsabilização objetiva.
Os cretinos acham que estou afirmando que Lula é inocente. Não! Eu acho que ele é culpado. O que estou sustentando é que a denúncia é inepta e que a força-tarefa, com o seu gosto pela ribalta, prestou um favor imenso à defesa do ex-presidente.
Não por acaso, o PT e os advogados de Lula comemoraram. Não por acaso, Rodrigo Janot ficou preocupado.
Se a Procuradoria-Geral da República não botar ordem na bagunça, o resultado será a impunidade.