O Ministério Público Federal ofereceu à 13.ª Vara Federal de Curitiba denúncia contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e outras pessoas, acusando-os de corrupção passiva e outros crimes. No último dia 20 a denúncia foi recebida pelo juiz Sergio Moro, ainda que Lula, hoje réu, já tivesse sustentado por antecipação que contra ele não havia provas.
Será que não existiam mesmo provas? Será que tudo não passava de ilações, deduções, presunções ou meros indícios?
A controvérsia grassa entre profissionais do Direito, políticos, jornalistas e até pessoas leigas. Assim, a população acaba tendo uma compreensão inadequada do que são provas para os fins penais e até termina por admitir como verdade que indício não é prova.
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Mas essa premissa é totalmente equivocada.
Vejamos o que são indícios.
Para a lei processual penal (artigo 239 do Código de Processo Penal), indício é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato principal (a ser provado), autorize, por indução, a concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Indício vem do radical latino index, que é aquilo que indica (daí nosso dedo indicador, com o qual normalmente indicamos objetos). Apenas como mero e proverbial exemplo, todos sabemos que, em princípio, fumaça é indício de fogo.
Mas que importância jurídica se poderia dar a um indício, se também é de todos sabido que nem sempre está correta a conclusão tirada a partir de um indício? Quantas vezes vemos fumaça, mas não há fogo; ou ouvimos trovão e não vem tempestade...?
Por isso a doutrina antiga não incluía os indícios entre os meios de prova. Entretanto, hoje, essa posição está superada.
Para o sistema legislativo brasileiro, na esteira, aliás, do que se generalizou nos países civilizados, os indícios são meios de prova. Para o nosso Código de Processo Penal (CPP), os indícios são prova e, em tese, estão em pé de igualdade com a perícia, a confissão, os testemunhos, os documentos, etc. (artigo 239). E, como qualquer prova, seu valor não pode ser visto isoladamente, e sim no conjunto das demais provas.
De há muito a lei não mais admite provas de valor tarifado, nem mais estabelece uma hierarquia entre as provas. Dessa forma, não tem fundamento jurídico acreditar que os indícios sejam meias provas ou provas menores, ou até prova nenhuma. Os indícios serão provas fracas ou fortes, como quaisquer outras, pois devem ser aferidos dentro do contexto instrutório, como, aliás, é feito com quaisquer provas.
É também isso o que se dá até mesmo com a confissão, que não mais tem valor absoluto, de vez que há muito deixou de ser a rainha das provas – basta ver quantas vezes um pai admite a autoria de um crime só para inocentar o filho, ou quantas vezes um preso confessa sob coação crimes que nunca cometeu. Da mesma forma, até quem é preso com a arma fumegante na mão diante do cadáver pode não ter sido o autor do disparo fatal. Mas, ao mesmo tempo, pode ter sido o autor do homicídio e seriam muito levianos o delegado, o promotor ou o juiz que pura e simplesmente desconsiderassem esse significativo indício de autoria.
Para que o indício tenha algum valor jurídico, há alguns pressupostos que devem ser considerados: 1) por primeiro deve estar provado; 2) depois, é preciso que tenha nexo causal com a circunstância que se quer provar por indução; e 3) por fim, é indispensável que seja harmônico com as demais provas produzidas.
Nem se diga que por ter o seu valor subordinado ao preenchimento desses pressupostos os indícios teriam força meramente subalterna. Assim como pode não merecer maior crédito uma confissão isolada diante das demais provas, igualmente indícios sem comprovação, isolados ou inconsequentes não servirão de base para um juízo de certeza penal.
Entretanto, há indícios provados e tão relevantes que, no seu todo, podem ensejar uma prisão preventiva (indícios suficientes de autoria), uma acusação (imputação penal) e até uma condenação (procedência da ação penal). Suponhamos que fiquem provados estes indícios: o réu, com resíduos de pólvora nas mãos, é preso na posse da arma do crime ainda fumegante, ao lado do cadáver; some-se a isso o fato de que pouco antes o réu dissera a várias pessoas que iria matar a vítima, da qual era desafeto, tendo já sofrido condenações, recentes, por tentativa de homicídio contra o falecido.
É natural que, por mais veementes que sejam os indícios, eles devem ser sempre recebidos com muita cautela, pois, mesmo no exemplo acima, apesar de todos os fatores desfavoráveis, ainda pode ser que um terceiro, que não o réu, tenha matado a vítima.
Como a indução é um processo lógico de raciocínio, e é prestigiada pela própria lei, os indícios devem ser levados na devida conta tanto na fase pré-processual como até no curso da instrução criminal, se concludentes e harmônicos com os demais elementos da instrução. Em certos casos, aliás, os indícios são mesmo os únicos meios possíveis de prova, como nos crimes cometidos às ocultas, como os de corrupção; ademais, há também inúmeros crimes que não deixam vestígios materiais nem provas diretas.
O processo penal deve ser conduzido com a maior amplitude cabível, tanto para facultar ao Ministério Público a comprovação do que alega, como para facultar à defesa contrapor-se adequadamente à pretensão acusatória, atentando-se para os seguintes objetivos básicos: 1) provar-se a existência de um ilícito, na sua materialidade ou autoria; 2) demonstrar, ao revés, a própria inexistência dos fatos delituosos; e 3) evidenciar a presença de causa que justifique a ação ou a omissão do acusado, exclua a infração ou afaste a responsabilidade do agente.
Isso é o que se espera e até se exige no curso da atividade jurisdicional que ora se inicia.
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*ADVOGADO E CONSULTOR JURÍDICO, AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ‘REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO’ (SARAIVA, 8ª EDIÇÃO