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De Última! Só lendo para acreditar

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O analista e o marciano
23/09/2016 - EDMAR BACHA*

Ao pousar em Brasília, um marciano fica pasmo ao saber que o Brasil paga taxas de juros altíssimas no mercado internacional, apesar de suas reservas internacionais alcançarem US$ 380 bilhões (US$ 40 bilhões a mais que o total da dívida externa do país) e de suas contas externas estarem praticamente em equilíbrio.

A surpresa do marciano é maior ao verificar que, descontada a inflação, a taxa de juros paga pelo governo aos detentores da dívida pública interna é uma das maiores do mundo, apesar de o déficit primário do setor público não ser tão elevado.

Esse déficit poderia ser facilmente coberto com o caixa de quase um trilhão de reais que o Tesouro Nacional tem no Banco Central — como aliás ocorreu com o pagamento das “pedaladas fiscais” no fim de 2015.


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Contatado pelo marciano, um analista local lhe pondera que esse caixa do Tesouro tem como contrapartida um valor ainda maior de dívida do próprio Tesouro com o Banco Central, não devendo por isso mesmo ser usado para pagar “pedaladas”.

Argui, ainda, que a prova de que as contas públicas estão em maus lençóis é que a dívida bruta do governo central alcança elevados 70% do PIB.

Mas o marciano fica confuso ao ver que não mais do que 60% dessa dívida bruta se deve a déficits acumulados do governo central. Pois 40% dela advêm da aquisição de ativos pelo governo, como as reservas internacionais e os créditos com o setor privado. Deduzidos esses ativos, a dívida líquida do governo alcança 42% do PIB, um valor que não assusta para os padrões internacionais atuais.

O analista não se dá por vencido, e observa que o déficit público total, incluindo o pagamento de juros, atinge assustadores 10% do PIB. Mas o marciano acha essa constatação algo tautológica, pois o déficit é elevado apenas porque os juros são tão altos. Se os juros fossem baixos como em quase todo o mundo, o déficit também deixaria de ser assustador.

O analista insiste que os juros não podem baixar de suas alturas, pois a inflação supera 10% ao ano, quando a meta que o Banco Central persegue é de 4,5%. O marciano fica pasmo ao saber que a inflação se mantém alta, apesar de o país enfrentar uma das piores recessões de sua história, com o desemprego atingindo mais do que 11% das pessoas ativas e o PIB caindo mais do que 7% em dois anos.

Conclui o marciano — parafraseando Tom Jobim sem o saber — que decididamente o Brasil não é para extraterrestres. Não basta pousar o disco voador em Brasília e dar uma olhada superficial nos números. É preciso ir além deles e entender a história do país.

O Brasil é conhecido por ser um caloteiro em série. Calotes na dívida foram dados de forma direta por Delfim Netto em 1981, Sarney em 1986 e Collor em 1990. Ou mais comumente por via de uma aceleração da inflação. Nisso o Brasil foi um recordista até o Plano Real. Entre dezembro de 1979 e julho de 1994, a inflação acumulada foi superior a treze trilhões por cento, uma das maiores da história mundial.

Apesar desse histórico de sucessivos calotes, o governo conseguiu que os brasileiros continuassem a usar a moeda nacional ao invés do dólar em suas transações financeiras. Para isso, entretanto, teve que pagar uma das mais altas taxas reais de juros do mundo.

Como o ônus da dívida pública é pesado, os brasileiros continuam a antecipar que mais dia menos dia o governo optará por provocar um novo surto inflacionário para tentar desvencilhar-se dessa dívida, como o fez tantas vezes antes do Plano Real.

Estabelece-se assim no país um equilíbrio precário, em que tanto a taxa de juros real como a expectativa de um calote futuro se mantêm elevadas, mesmo quando a dívida pública líquida e o déficit primário não assustam para os padrões internacionais atuais.

Informado dessa triste história, o marciano entende melhor a razão dos números que inicialmente tanto o confundiram. O analista pode então lhe explicar as desventuras recentes das políticas fiscal e monetária do país.

A partir de 2011, um novo padrão se estabeleceu na economia mundial. A estagnação dos países desenvolvidos ficou patente. A China diminuiu sua taxa de crescimento. O governo de Dilma Rousseff, entretanto, ignorou essa nova realidade. Uma “nova matriz macroeconômica” foi proclamada.

A nova matriz se caracterizou por uma política monetária frouxa, que deixou de perseguir a meta da inflação; por uma expansão de gastos do governo sem cobertura de impostos, disfarçada por manobras contábeis e pedaladas fiscais; por uma piora da qualidade da dívida do Tesouro, camuflada pela ampliação das operações compromissadas do Banco Central; por controles arbitrários dos preços de insumos essenciais (como petróleo, eletricidade e serviços públicos); e pela oferta exagerada de swaps cambiais para tentar evitar a desvalorização do real sem o uso das reservas internacionais.

De certa feita, o então governador Orestes Quércia teria dito: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”. Dilma Rousseff poderia parafraseá-lo: “Quebrei o país, mas me reelegi para a Presidência” — até dela ser removida pelo processo de impeachment.

Com um novo governo, renasce a esperança da construção de instituições fiscais e monetárias sólidas. Quem sabe na próxima vez que o marciano aterrissar em Brasília poderá encontrar um país com as contas públicas em ordem, pronto para voltar a crescer com estabilidade e equidade.


...

*Edmar Bacha é economista. Texto adaptado do prefácio do livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”, organizado por Felipe Salto e Mansueto Almeida.

  

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