A última campanha do ciclo petista 02/10/2016
- GAUDÊNCIO TORQUATO
Neste domingo, o Brasil faz sua última campanha municipal sob o desfraldar de velhas bandeiras.
Algumas delas podem ser assim lembradas: o apartheid social desenhado pelo PT por meio de seu insistente bordão: “nós e eles”; o desfile de caras e bocas na mídia eleitoral, cuja audiência foi um fracasso face à rejeição do eleitor aos políticos, de forma geral, e aos candidatos, em particular; os debates entre candidatos a prefeito, geralmente monótonos e com regras muito restritivas; promessas que entram na esfera das extravagâncias e exageros.
Os 144 milhões de eleitores até reconhecem que este pleito trouxe novidades.
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As ruas se apresentaram mais limpas, sem o entulho publicitário de santinhos e cartazes afixados em postes; a proibição de recursos às campanhas por parte de empresas exigiu mais sola de sapato, com os candidatos se obrigando a percorrer as ruas de regiões e bairros, reforçando os eixos da articulação social e da mobilização de grupos; a indignação contra os escândalos que mancham o perfil de políticos, gestores públicos e empresários tem propiciado postura mais crítica do eleitor.
Em São Paulo, chegou-se a ver eleitor revoltado enfiando o dedo na cara de candidatos que circulavam em feiras livres.
Portanto, é possível se dizer que a campanha, cujo primeiro turno hoje se encerra nas cidades com mais de 200 mil eleitores, já foi bastante diferente das anteriores.
Mas a mudança não termina com as disposições impostas pela atual legislação eleitoral.
Estamos assistindo ao final do ciclo PT na administração federal – pelo menos por uns bons tempos - e sua saída do cenário central implica reordenação da moldura partidária, com sensíveis alterações do estado social da Nação.
A recorrente parolagem de condenação às elites, que Lula e seu entorno plasmaram com afinco nos últimos anos, azedou as relações de parcelas significativas da sociedade.
Construiu-se, de um lado, um inferno para “eles” e um céu para “nós”, divisão que começou a fragmentar quando os “olimpianos” foram flagrados nas teias do mensalão e arremetidos ao poço do descrédito pelo tsunami do petrolão.
Com o PT estreitado pelo cabresto do eleitor, que lhe sugará um formidável quinhão das atuais 650 prefeituras, o ambiente político e social se libertará do grilhão expressivo que ainda faz eco em grupos incrustados na Universidade pública, em setores da cultura (bafejados pelo Estado protecionista da lei Rouanet) e em turbas agressivas de movimentos do arquipélago que reúne ilhas como UNE, MST, MTST, CUT e adjacências.
Esses pedaços de militância ganharam cofres cheios na era petista, formando uma espécie de bastião avançado de defesa do petismo/lulismo/dilmismo.
O Estado foi literalmente tomado por hordas de grupos radicais, que se infiltraram nas malhas administrativas das três instâncias federativas, usando a cor vermelha como a estética de virada de mesa, de vitória contra as elites, de combate direto a tudo que lembre consenso de Washington, neoliberalismo, privatização etc.
O foro de São Paulo, criado por Lula e Fidel Castro, em 1990, passou a se constituir na referência maior da revolução socialista e o Estado gordo e paquiderme tornou-se seu símbolo.
Uma nova forma de sindicalismo pelego tomou assento nos desvãos do Estado, fazendo do Ministério do Trabalho seu trono.
Nada se pode fazer na área de relações do trabalho porque o grupo formado pelas Centrais Sindicais – que se expande a olhos vistos – decidiu forjar sua República sindicalista, cuja modelagem tem mais jeito de casa de moeda.
O que interessa a esses núcleos que pretensamente proclamam fazer a defesa dos trabalhadores é aumentar o tamanho de suas contribuições e seus cofres. Para eles, tudo é imexível: previdência e CLT, por exemplo.
Em um mundo que perde postos de trabalho a cada minuto, os controladores do neo-sindicalismo pelego defendem o aumento das contratações de trabalhadores pelo Estado, execrando as modalidades de trabalho do mundo avançado (temporários, serviços especializados por terceirizados etc).
Essa é a face da pavorosa cara que o petismo e seus séquitos deixam na paisagem devastada do país, onde um buraco de R$ 170 bilhões nas contas públicas, uma dívida interna de R$ 4 trilhões e 12 milhões de desempregados esperam por medidas saneadoras.
Portanto, a eleição que ocorre hoje no país se apresenta como a oportunidade de o eleitor renovar o passaporte de alguns prefeitos e despachar outros. As projeções apontam para o crescimento do PSDB e do PMDB e o enfraquecimento do PT.
Das 93 principais cidades do país – 26 capitais e 67 municípios – o PSDB deverá ganhar em mais de 20, o PMDB virá em segundo lugar, na faixa dos 18, ficando o terceiro lugar com o PSB e o PDT, de acordo com planilha estabelecida pelo site do jornalista Fernando Rodrigues.
A diferente fisionomia partidária, com a redefinição do poder na base do edifício político, deverá contemplar a parte central do espectro ideológico, fato que desanuviará o ambiente de tensão formado no ciclo petista.
Por outro lado, a indignação social funcionará como aríete para fustigar o universo da política. Donde se pinça a hipótese de que não haverá alternativa senão a reforma política, a partir da reconstituição da cláusula de barreira (proibindo siglas sem votos suficientes em parcela dos Estados), proibição de coligações proporcionais e revisão das normas das campanhas eleitorais com o fito de torná-las mais próximas aos interesses dos eleitores.
É razoável supor que os partidos políticos ganharão densidade ideológica, deixando de ser entes amorfos, insossos e incolores.
Da mesma forma, é possível prever campanhas menos exuberantes, mais modestas, sem estardalhaços, acompanhadas atentamente por um eleitor crítico.
Observa-se em todos os rincões, mesmo os mais distantes, o crescimento da racionalidade. Donde se pode tranquilamente afirmar: no Brasil, o voto começa a escapulir do coração para entrar na cabeça.