A HORA DA PRISÃO – Entenda o que STF decidiu e o que ele não decidiu 06/10/2016
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Vamos a assuntos difíceis, já que os fáceis tendem a ter menos graça.
Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os condenados em segunda instância já podem começar a cumprir pena de prisão.
ATENÇÃO! O QUE SE DECIDIU É QUE ELES PODEM, NÃO QUE NECESSARIAMENTE DEVAM.
PUBLICIDADE
Votaram a favor da tese os ministros Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavscki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia, presidente da Corte.
A minoria de cinco votos foi formada por Marco Aurélio, Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Sendo mais claro ainda: a maioria decidiu que a prisão a partir da condenação em segunda instância NÃO FERE A CONSTITUIÇÃO.
Vamos entender a confusão.
O Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição define:
“LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
E se entendia o que aí vai escrito pelo que aí vai escrito.
Se o sujeito não é culpado até o trânsito em julgado — e se compreendia por “trânsito em julgado” a inexistência de recurso —, como é que vai cumprir pena enquanto há recurso?
Sim, isso punha o Brasil numa situação curiosa.
Por aqui, uma prisão preventiva não tem prazo.
O sujeito fica em cana “preventivamente” enquanto for da vontade de quem decide.
Por outro lado, se ele é julgado e condenado em primeira instância, tem de ser solto.
Entenderam?
Sem sentença nenhuma, não há prazo para sair do xilindró.
Condenado, pode ir pra rua e ficar em liberdade até o trânsito em julgado, o que pode demorar anos.
Faz sentido?
Não!
Mas atenção!
O que não faz sentido aí é não haver prazo para a preventiva.
Sigamos.
No dia 17 de fevereiro deste ano, no julgamento de um habeas corpus, o STF decidiu, por 7 a 4, que um preso poderia ir, sim, para a cadeia, ainda que condenado em segunda instância.
A divisão quase que repetiu a de ontem, quarta.
Naquele caso, Dias Toffoli votou a favor da prisão.
Desta feita, contra.
Ele mudou de ideia?
Não!
São coisas diferentes.
Já volto a esse ponto.
Atenção para a questão técnica!
A decisão tomada no dia 17 de fevereiro não era vinculante.
O que disso quer dizer?
Explico.
Votações que têm por base a interpretação da Constituição terão de ser aplicadas a todos os casos semelhantes e por todos os tribunais.
Estão nessa categoria a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
O Supremo pode ainda emitir uma Súmula Vinculante a partir de determinada decisão.
As demais ações julgadas pelo tribunal não têm esse caráter.
É o caso, entre outros, de mandado de segurança, recurso extraordinário e habeas corpus.
Aquela decisão do dia 17, que autorizou a execução da pena já a partir da condenação em segunda instância, dizia respeito a um habeas corpus.
Logo, os tribunais inferiores não estavam obrigados a segui-la — vale dizer: um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal não estavam obrigados a mandar executar a sentença —, mas podiam fazê-lo se assim entendessem.
E um ministro do próprio STF, DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, FORMAL, não se obrigava a repetir o padrão em casos outros.
Tanto foi assim que, depois daquele habeas corpus, Lwandowski e Celso de Mello mandaram soltar presos condenados em segundo instância.
O que se fez, o que eu faria e as consequências
Vamos entender direito as coisas.
Não tem jeito.
Sou um literalista.
Eu entendo que a Constituição não autoriza a prisão antes do trânsito em julgado — logo, desta feita, eu teria votado de modo diferente de Gilmar Mendes, por exemplo.
Para quem acha que estou sempre com ele, eis um exemplo de que isso não é verdade.
Mas também é preciso entender direito o que foi decidido.
Todo colegiado de segunda instância é OBRIGADO a executar a pena?
Não!
Ele PODE executar a pena.
Mais: será que, uma vez na cadeia, o preso não dispõe mais de instrumento nenhum?
Dispõe.
Como lembrou o próprio Mendes, o instrumento do habeas corpus continua em vigor, ué.
A defesa poderá recorrer ao STJ ou ao STF, a depender do caso.
Toffoli
Dias Toffoli certamente vai tomar umas pancadas daqueles que não entendem o que foi votado antes e o que foi votado agora.
E dirão: “Ele mudou de lado”.
Isso é besteira.
São coisas diferentes.
Naquele caso, reitero, votava-se um habeas corpus — e, portanto, não se tratava de fazer um juízo de mérito sobre o que vai na Constituição.
Nesta quarta, tratava-se de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) movida pelo Partido Ecológico Nacional, que pedia que o tribunal declarasse constitucional o Artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê a execução da pena apenas depois do trânsito em julgado, e uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da OAB.
Qual foi o voto de Toffoli no fim das contas?
Aquele que eu daria: mantenha-se a Constituição intocada, segundo a presunção de inocência, porque existe a possibilidade de prender, como ficou claro naquela votação de 17 de fevereiro.
A rigor, a mudança, de verdade, é mínima do ponto de vista da lógica formal, mas os desdobramentos são absolutamente distintos.
É claro que, com a decisão de agora, a tendência será mandar para a cadeia os condenados em segunda instância.
Só com aquela votação do dia 17 de fevereiro, essa era uma ocorrência possível, mas seria rara.
Agora, o raro será o condenado em segunda instância ficar fora da cadeia.
Sim, caros, eu reconheço que a decisão tomada serve com mais propriedade ao combate à impunidade.
Mas tenho cá meus fundamentos.
Como acho que a decisão contraria a Constituição, teria votado contra.