Os privilegiados 2,1% 07/10/2016
- Ivar M. Hartmann* - O GLOBO
Há dois tipos de pessoas que são mandadas à prisão antes de serem condenadas e terem todas as possibilidades de recurso esgotadas. Existem as pessoas presas após uma condenação em segunda instância e existem aquelas que são presas muito antes disso. No julgamento de quarta-feira, o Supremo repetiu sua decisão de fevereiro e reafirmou que a condenação em segunda instância permite o início provisório do cumprimento da pena.
Isso já ocorre em virtualmente qualquer país do mundo e também era o entendimento do Supremo até 2009. Como bem lembrou o ministro Barroso, nossa Constituição exige apenas flagrante ou decisão judicial fundamentada para a prisão. Proíbe que alguém seja considerado culpado antes do esgotamento dos recursos, mas não proíbe que inicie o cumprimento de sua pena.
Os tratados internacionais de direitos humanos dizem o mesmo: o réu pode começar a cumprir pena após decisão de segunda instância. Segundo estudo do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, publicado com exclusividade pelo GLOBO em 2 de setembro, esse grupo de pessoas representa 0,6% do nosso falido sistema prisional. Se consideradas aquelas com pena menor e que, portanto, iriam para o ainda mais falido regime semiaberto, estamos falando de 2,1% dos presos brasileiros.
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E as pessoas presas muito antes da condenação em segunda instância? Representam 40% dos presos. Muitas vezes elas sequer foram sentenciadas na primeira instância. Ou ainda nem foram denunciadas pelo Ministério Público. É muito mais complicado manter presa uma pessoa nessa situação. Mas foi a decisão do Supremo sobre os 2,1% em fevereiro que causou a maior celeuma entre grupos que pretendem lutar por um direito penal melhor.
Em sua grande maioria financiados de forma privada, eles acudiram ao tribunal como nunca fizeram antes quando estavam em jogo questões criminais de impacto nacional. O Supremo acabou tendo que repetir o julgamento de fevereiro. Qual o perfil desses dois tipos de pessoas? Os 2,1% geralmente têm advogados bons, que abusam de todos os recursos disponíveis para atrasar o cumprimento da pena e tentar a prescrição.
Os 40% geralmente são pobres representados pela Defensoria. São esquecidos na prisão mesmo antes de uma sentença. Todos torcemos para que, na próxima vez em que os 40% tiverem seu dia no Supremo, esses grupos privados reservem a eles o mesmo tratamento privilegiado dos 2,1%.
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*Professor do Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números