A judicialização da saúde 09/10/2016
- O ESTADO DE S.PAULO
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não julga em caráter definitivo um recurso sobre o limite da responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal de distribuir gratuitamente remédios de alto custo não incluídos nas listas do Sistema Único de Saúde (SUS), os tribunais continuam tomando decisões polêmicas nessa matéria.
Tomada por um juiz federal de Guarulhos e referendada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região, a mais recente obriga a União a usar verbas da publicidade oficial, e não os recursos orçamentários do Ministério da Saúde, para pagar remédios importados para uma jovem com doença genética rara.
Na defesa do governo, a Advocacia-Geral da União alegou que a Justiça não pode interferir nas verbas orçamentárias do Executivo aprovadas pelo Legislativo.
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O argumento foi rejeitado pelo TRF da 3.ª Região, sob a justificativa de que o Código de Processo Civil autoriza os juízes a recorrerem a todos os meios para preservar os direitos fundamentais previstos pela Constituição, como o direito à vida.
As duas instâncias da Justiça Federal entenderam que, se os recursos do SUS são limitados, as verbas para o custeio dos remédios devem sair do orçamento de áreas não prioritárias da máquina governamental.
“Ao manter a propaganda estatal, muitas vezes de caráter de promoção do governante, enquanto há pessoas morrendo por falta de tratamento, o Executivo comete inconstitucionalidade”, diz o juiz federal Paulo Rodrigues, da comarca de Guarulhos.
“A Justiça está recordando a verdade sublime que o Estado existe para o cidadão, e não o contrário”, afirmou o desembargador Johnson di Salvo, do TRF da 3.ª Região.
Esse é mais um capítulo da novela sobre a judicialização da saúde, que se arrasta há anos, à espera de uma manifestação definitiva do STF.
O recurso que a Corte julgará nas próximas semanas foi impetrado pelo Estado do Rio Grande do Norte.
Alegando que não dispõe de recursos orçamentários para cumprir as centenas de liminares concedidas em matéria de distribuição gratuita de medicamentos caros, o governo potiguar pleiteia que o direito à saúde seja apartado dos direitos fundamentais.
A reivindicação é apoiada por todos os Estados e pelo Ministério da Saúde.
Só nos primeiros seis meses deste ano, o Ministério cumpriu 16,3 mil ações judiciais que o obrigaram a fornecer gratuitamente remédios que não constam da lista do SUS.
Em São Paulo, entre liminares e antecipações de tutela, o governo estadual cumpriu no ano passado 18 mil ordens judiciais, que custaram aos cofres estaduais R$ 1,2 bilhão.
No último triênio, o Ministério da Saúde gastou R$ 1,76 bilhão com o cumprimento de ações judiciais – um aumento de 129%.
Para 2016, a estimativa é de que os gastos da União, dos Estados e dos municípios cheguem a R$ 7 bilhões.
No embate com os tribunais, os secretários e o ministro da Saúde alegam que 69% das decisões judiciais provêm de prescrições de médicos privados e sugerem que parte do receitado não é urgente e tem similar nas listas de remédios do SUS.
Afirmam, igualmente, que as decisões de primeira e de segunda instâncias têm priorizado direitos individuais, em detrimento de direitos coletivos.
As cúpulas das Justiças Federal e Estaduais respondem que é cada vez maior o número de juízes que buscam informações técnicas nos órgãos públicos de saúde, antes de emitirem uma decisão.
Também afirmam que a magistratura tem sido cuidadosa ao compatibilizar atos administrativos com princípios constitucionais.
A verdade é que os dirigentes governamentais têm razão quando afirmam que as decisões judiciais retiram do poder público a competência para gerir a área da saúde.
Já os juízes alegam que os problemas da saúde não devem ser vistos apenas pelo lado financeiro.
Cabe ao STF encontrar um meio-termo, reconhecendo o direito à saúde como direito fundamental, por um lado, mas obrigando a Justiça a levar em conta as limitações orçamentárias do poder público num contexto de crise fiscal, por outro.