Desobediência cidadã 09/10/2016
- DORA KRAMER - O ESTADO DE S,PAULO
Pelo que se viu nas análises sobre o resultado das eleições municipais, ficaram todos muito impressionados com o índice de abstenção. Na verdade, quase igual ao registrado em 2012.
Na época foi pouco mais de 16% e agora pouco menos de 18%. Isso no cômputo da votação geral do País.
Vistos do ponto de vista local, porém, os números são maiores, sendo o Rio de Janeiro o campeão de ausências com algo em torno de 26%. Um quarto do eleitorado.
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A julgar pelo que restou de escolha no segundo turno na cidade realmente maravilhosa, capital do Estado de fato em situação falimentar – Marcelo Crivella contra Marcelo Freixo, duas pontas extremas do espectro ideológico – o prezado leitor e a cara leitora não se iludam e preparem-se: o número de ausentes vai aumentar.
Crescerá também a quantidade dos que consideram mais fácil anular ou optar pelo voto branco do que depois ir atrás de um cartório eleitoral para pagar multa irrisória (na média, menos de R$ 3), a fim de não ficar impedidos de tirar passaporte e carteira de identidade.
Não são apenas essas as penalidades.
Quem não vota não pode obter qualquer documento no caso de diplomatas e funcionários do Itamaraty; é excluído de participar de concorrências públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal; não pode obter empréstimos em entidades direta ou indiretamente ligadas ao governo; é vetado na renovação de matrículas em escolas do ensino oficial e da inscrição em concursos públicos ou da tomada de posse nos cargos.
Os funcionários públicos não recebem salários no segundo mês subsequente à eleição e todo e qualquer cidadão está impedido de praticar ato de exija quitações do serviço militar ou do Imposto de Renda.
Portanto, as sanções não são leves quando faz crer a vã assertiva segundo a qual o voto no Brasil na prática é facultativo.
Entre outros e principal motivo em decorrência da multa irrisória.
Importante que as pessoas saibam das restrições e dos aborrecimentos decorrentes da abstenção eleitoral para que não se iludam com a ideia de que na prática o voto é facultativo devido a uma penalidade sem maior significado.
O Estado castiga pesado quem não vota, exercitando um direito de não ir às urnas. Coisa que na maioria ampla das democracias no mundo é garantida aos cidadãos.
Nelas, o voto é um direito. Aqui é tratado como obrigação. Imposição negada por boa parte do eleitorado que, por isso, é tratada como alienada, boboca, sem noção.
Convicção compartilhada por partidos à direita e à esquerda, que na Constituinte de 1988 derrotaram a proposta do voto facultativo sob o argumento (até hoje vigente) de que o voto obrigatório seria uma garantia democrática em país de pouca educação.
Por essa ótica, seria necessário esperar que o Brasil e os brasileiros tivessem um grau cultural tido como “razoável” para ter a liberdade de votar. Ou não.
O eleitor que não quer votar é alvo de preconceito. Visto como alienado, não engajado, praticamente um pária da civilidade.
Isso porque se convencionou dizer que o voto obrigatório é uma garantia do exercício da cidadania.
Bobagem. O cidadão exerce seus direitos na plenitude se tiver liberdade para tal. Conforme ocorre na quase totalidade das democracias de mundo, nas quais neste aspecto o Brasil é exceção.
Posta na mesa e reconhecida a jabuticaba quase que exclusivamente brasileira, resta reconhecer: o eleitor depôs, derrotou no cotidiano a obrigatoriedade do voto, numa das mais belas, contundentes e definitivas rejeições ao voto obrigatório.
Só falta o universo dos políticos cair em si, abrir mão da reserva de mercado e se adequar ao mundo real para defender e adotar o voto facultativo já.