O Brasil tolera o golpe petista 10/10/2016
- GUILHERME FIUZA - REVISTA ÉPOCA
A entrevista coletiva do prefeito de São Paulo para falar de sua derrota no primeiro turno das eleições municipais honrou as tradições do Partido dos Trabalhadores: uma repórter da Globo News foi hostilizada, acuada e obrigada a se retirar do recinto.
Com esse ato revolucionário, os militantes progressistas do PT atingiram dois objetivos ao mesmo tempo: reforçaram sua poética contra a mídia burguesa e deixaram claro, pela enésima vez, que notícia boa é notícia a favor – algo um tanto difícil quando se perde uma eleição.
No dia seguinte, Fernando Haddad (o tal candidato derrotado) pediu desculpas à repórter. E ficou tudo bem. O Brasil é uma mãe.
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Uma mãe especialmente boa para os filhos da... outra.
Aceita que eles vandalizem a casa, basta dizerem depois que foi sem querer.
Quando Dilma (a outra) ganhou a reeleição em 2014, esses rebentos aloprados fizeram um escarcéu no discurso da vitória.
Entre outros cânticos de guerra, entoaram a palavra de ordem “abaixo a Rede Globo” – que provocou a seguinte reação da presidente da República: parou seu discurso e fez coro silencioso ao ataque.
Isso depois de condenar a depredação da Editora Abril, atentado perpetrado por seus simpatizantes.
Enquanto o Brasil tolerar essa malandragem, os progressistas de circo vão continuar espancando a liberdade de expressão e dizendo que ela é linda.
O mais perfeito retrato da tal democratização dos meios de comunicação, bandeira cifrada do PT e seus genéricos, é o caso Mídia Ninja.
A aparição desse movimento – e sua difusão durante os protestos de junho de 2013 – parecia uma boa novidade.
Um jornalismo de guerrilha, absolutamente independente, engajado na missão obstinada de cobrir tudo o que a grande imprensa não mostrasse.
É assim mesmo que se faz democracia – com a pluralidade das vozes impedindo os monopólios da verdade.
A boa novidade começou a não parecer tão boa quando alguns grandes veículos começaram a ser acusados – especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro – de estar distorcendo a cobertura dos protestos em favor da polícia.
Qualquer cobertura jornalística terá suas falhas eventuais, mas havia um problema mais sério com essa versão espalhada pela Mídia Ninja: ela não era verdadeira.
Não houve e não há nenhum registro de cobertura tendenciosa pró-polícia pelos principais veículos de comunicação do país em junho de 2013.
Ao contrário, o noticiário até tendeu a superestimar os propósitos dos manifestantes – atribuindo uma grandiosidade aos atos que eles, percebeu-se depois, nem sempre tinham.
E passou a surgir outro ingrediente incômodo no front dos protestos: a mídia que não era ninja começou a ser recebida com hostilidade nas ruas, frequentemente cercada e violentamente agredida.
Essa prática boçal se tornou corriqueira e teve, entre seus legados, a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band – atingido por um rojão na cabeça.
Os responsáveis pela morte de Santiago irão finalmente a júri popular.
Mas os políticos que os incentivaram e incentivam seus coleguinhas bestiais estão concorrendo alegremente nas eleições municipais, com discurso de direitos humanos.
E a Mídia Ninja foi contratada pelo finado (e obsceno) governo Dilma Rousseff.
O episódio da expulsão da repórter Andrea Sadi da coletiva de Haddad mostra que o Brasil ainda convive bem com a falta de democracia – desde que o ato autoritário parta do pessoal fantasiado de esquerda.
É a enésima agressão à liberdade de expressão por parte de um grupo político que já tentou de tudo para transformar a mídia em panfleto particular – inclusive torrando milhões de reais do contribuinte para sustentar blogs de aluguel.
Quando o governo Temer tenta mostrar as feridas institucionais deixadas por 13 anos dessas manobras obscuras, surgem vozes na própria grande imprensa denunciando a contrapropaganda...
Só rindo.
O que aconteceu na coletiva de Haddad é muito grave e tem a ver com a narrativa do golpe.
É a defesa de um sistema de crenças em bandeiras aparentemente belas, que servem a uma prática autoritária de subsistência política, cultural e moral (sic).
São os gigolôs da bondade.
A impressionante tolerância nacional para com essas figuras explica que Lula, depois de tudo o que fez, ainda possa andar por aí com cara de coitado.