O PT não perde o vício 18/10/2016
- O ESTADO DE S.PAULO
Depois de levar uma humilhante surra nas urnas como resultado da frustração de seu desastrado projeto de poder, o outrora onipotente Partido dos Trabalhadores (PT) contempla agora a perspectiva de se desmanchar como organização partidária, porque não poderá mais, talvez nunca, contar com a sedução do Estado para amalgamar forças “progressistas” que sustentem o mito do populismo hoje desmoralizado de Lula da Silva e seus cúmplices, boa parte dos quais devidamente encarcerada.
A reação dos petistas ao amargo destino que lhes é reservado – refletida no grande racha que se delineia no partido – é uma interessante demonstração das razões pelas quais a aventura lulopetista deu com os burros n’água: ninguém é capaz de fazer autocrítica, reconhecer erros cometidos.
A culpa é sempre dos outros. Os petistas perdem o pelo, mas não perdem o vício.
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O PT foi desde sempre dirigido por Lula e pela corrente majoritária hoje denominada Construindo um Novo Brasil (CNB). Diante da incontestável liderança do ex-presidente da República, várias outras facções partidárias, todas elas situadas ideologicamente à esquerda da corrente majoritária, conviveram relativamente em paz com o comando partidário, até porque sempre coube a cada uma delas sua parcela do poder que o partido detinha.
Agora, diante do fato de que o PT saiu das urnas de 2 de outubro como o 10.º partido em número de prefeituras conquistadas, as cinco maiores correntes de esquerda reuniram-se sob a legenda Muda PT e estão tentando antecipar a discussão e a decisão sobre a mudança da direção nacional do partido.
Apesar de ter entre seus membros mais destacados o ex-ministro José Eduardo Cardozo, o Mensagem ao Partido, segunda maior corrente partidária, faz uma análise muito peculiar do panorama político, nas palavras de um de seus principais líderes, o secretário nacional de Formação do PT, Carlos Árabe:
“Estamos sendo impedidos de chegar às prefeituras porque levamos o rótulo de corruptos. (...) A maioria esmagadora dos petistas não fez nada nem aprovou nada do que está sendo investigado. (...) A corrupção é uma cortina de fumaça para excluir o PT. Existe uma seletividade”.
É uma forma cínica de se esquivar do fato de que os eleitores brasileiros simplesmente repudiaram o PT nas urnas. Mas Árabe acha que sabe de quem é a culpa:
“A autocrítica tem que começar por quem fez algo. Não vou fazer autocrítica de algo que não fiz. Sou da direção nacional há décadas e nunca aprovei nada disso. (...) A direção tem que provar que não houve nada de errado ou pôr para fora quem fez”. Enquanto “alguém” fazia, o partido de que Carlos Árabe é dirigente era o que mais se beneficiava da corrupção.
Já um dos mais notórios representantes da CNB, o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, acha “um absurdo” o movimento Muda PT estar planejando reuniões plenárias regionais para discutir a crise e a mudança do comando partidário. Para Carvalho isso é “o de menos” quando se leva em conta que “amanhã o Lula pode ser condenado, pode ser preso, e não vai adiantar nada” realizar eleições no PT.
Para Carvalho, é “inadequado que em um momento tão grave (...) em que o País está sendo atropelado por medidas do governo Temer, que gente importante do partido esteja se dando o tempo de pensar mais nas coisas da renovação da direção do que em uma união fundamental ao PT”.
Pois é: o que está “atropelando” o País são “as medidas do governo Temer”. E, como o PT não tem nada a ver com isso, basta que permaneça fiel ao comando de Lula.
O fato é que a desconstrução do PT, até recentemente inimaginável, parece provável, uma vez que seu comando está desmoralizado e se tornou difícil o compartilhamento do poder, principal fator de aglutinação de correntes diversas.
A história do partido demonstra que ao longo do tempo nem a conquista do poder impediu defecções importantes por parte de militantes decepcionados com sua prática.
Foi o caso dos ex-petistas que fundaram o PSOL, em 2004. Agora, a porteira está escancarada.