Militância fora do tribunal indica que Moro está, sim, candidato a algo 04/11/2016
- REINALDO AZEVEDO - FOLHA DE S.PAULO
"Lula vai ser preso?" Essa é a pergunta número um das bocas, dos becos e dos botecos. A minha resposta: "Não sei".
Outro dia arrisquei: "Com corte de gastos, reforma da Previdência e reforma trabalhista, seria preferível uma condenação em regime aberto. Não gosto de heróis presos em períodos de crise. Mas que se cumpra a lei".
A pessoa ficou brava.
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Não foi uma resposta adequada a esses tempos de redes sociais.
Nestes dias, quem indaga quer ver apenas a própria cara refletida no "black mirror", na tela.
Ou nada de "like" pra você.
Uma segunda questão começa a ganhar corpo em versos e trovas e a sair do breu das tocas: "Sergio Moro vai ser candidato?"
Com alguma frequência, deixa-se de lado o complemento nominal porque parece tão óbvio que a palavra "candidato", nesse caso, é intransitiva!
Só pode ser "à Presidência".
E eu: "Seria melhor que não fosse".
E a cara contrariada do outro lado:
"Por quê? Você imagina alguém melhor?".
Oh mares! Oh temporais!
Oh Cícero dos falsos cognatos!
O que é que se fez da dúvida nesta terra?
Quem pergunta não espera ouvir uma resposta.
Quer uma reiteração, uma redundância, um pleonasmo.
Num mundo em que só há certezas, a inteligência especulativa se torna, por óbvio, subversiva.
Avanço um pouco.
Moro já é candidato.
E sacio a fome de complemento de quem não suporta a gramática da dúvida: é candidato "a alguma coisa".
Que ele já não caiba mais no molde do juiz, disso estou certo.
Mandam-me um vídeo em que o "esposo", Moro, lê o trecho de um discurso de Theodore Roosevelt contra a corrupção.
O americano, que falava suavemente, carregava, como se sabe, um grande porrete, o imortalizado "big stick".
Encerra a gravação sem esquecer de um agradecimento:
"E fica essa leitura aí para ser apresentada nessa página, que é mantida, muito gentilmente, pela minha querida esposa".
A tal página, no Facebook, é a "Eu MORO com ele".
Traz, logo na abertura, uma foto com as palavras "DE AMOR POR VOCÊ".
No primeiro caso, um trocadilho; no segundo, uma elipse trocadilhesca:
"[Moro] de amor por você".
Assim, já se sabe a quem remete o pronome "Ele", que não mais substitui um nome, um substantivo, mas alude a um mito em fermentação.
A página da "minha [dele] gentil esposa", para a qual "Ele" grava vídeos, faz a defesa do fim do foro especial por prerrogativa de função, chamado, sem a devida vênia jurídica, de "foro privilegiado"; reproduz a foto de uma criança de oito anos que se fantasia com os "pretos sobre preto" da vestimenta do juiz; faz militância política aberta sobre temas que estão por aí, em trânsito.
Em suma, "Eu MORO com ele", "muito gentilmente tocada" por sua "querida esposa", é uma página de militância política.
Inclusive contra o Supremo, para onde vai boa parte dos políticos da Lava Jato com foro especial.
Sugestão evidente:
"Ele" pode fazer Justiça; já aqueles do STF...
E que mal há na existência de uma página com essas características?
Nenhum!
Desde que "Ele" não concentrasse hoje poder de vida e morte sobre a reputação de pessoas num mercado do qual "Ele" decidiu fazer parte.
E o leitor tem todo o direito de considerar — e a minha avaliação não é muito distinta - que ninguém está na "Vara do Moro" porque andou se comportando bem no verão passado.
Ocorre que a gramática da Justiça exige uma isenção incompatível com a gramática da política.
O nosso "Tirano de Siracusa" (pesquisem) já está candidato.