Vôo 1907: Experts vêem erros dos pilotos e da torre 28/10/2006
- Roberta Pennafort - O Estado de S.Paulo
Controle deveria ter movido Boeing para direita ou esquerda, diz brigadeiro
Passado um mês da queda do Boeing 737-800 da Gol, as informações que possibilitarão à Aeronáutica e à Polícia Federal desvendar, enfim, o mistério acerca do que provocou o choque com o jato Legacy, a 37 mil pés de altitude, apontam para uma sucessão de falhas. Embora nada seja conclusivo, já é possível destacar procedimentos e condutas que contribuíram para o acidente que deixou 154 mortos no Sul do Pará.
Por parte dos controladores de vôo, a principal suspeita é de que tenham demorado a agir após perceberem que o Legacy voava fora da altitude estabelecida no plano de vôo. Ao passar por Brasília, a aeronave deveria descer de 37 mil para 36 mil pés. Minutos antes, no entanto, o centro de controle de Brasília (Cindacta-1) perdeu a comunicação via rádio com os pilotos do jato. Para piorar, o transponder parou de funcionar, fazendo com que as informações detalhadas sobre o vôo desaparecessem da tela dos radares.
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Pilotos e especialistas dizem que, ao não conseguir contato com o Legacy, os controladores deveriam ter orientado o Boeing a alterar sua rota e, dessa forma, evitar o choque. Outra suspeita é de que os controladores tiveram dificuldade para compreender o inglês ´arrastado´ dos americanos.
A falha mais grave, no entanto, foi cometida pelos pilotos do jato. Ao não cumprirem o plano de vôo, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino entraram em rota de colisão com o Boeing da Gol. O Estado ouviu comandantes experientes, que, por motivos éticos, pediram para não ter seus nomes publicados. Um deles acredita que os pilotos deveriam ter insistido mais na comunicação com Brasília, à medida que se aproximavam da cidade. Não conseguindo, deveriam ter trocado de nível, ainda que sem autorização. ´Não podiam ultrapassar o ponto onde o plano previa a redução a 36 mil pés e alegarem que não o fizeram porque não receberam ordem para tal´, explica. ´O plano de vôo não é soberano em qualquer situação, mas, em caso de falha de comunicação, é. Ele não pode manter a última altitude autorizada eternamente´, disse um piloto.
Ex-secretário-geral da International Civil Aviation Organization (Organização Internacional de Aviação Civil), o major-brigadeiro Renato Cláudio Costa Pereira não considera produtivo para as investigações, neste momento, apontar culpados pelas mortes. Para o brigadeiro, que já integrou comissões de investigação de acidentes, o importante é descobrir quais foram os erros cometidos, para se evitar novas tragédias.
´Tem um monte de 737s voando por aí, cheios de gente, e temos que impedir que eles caiam´, defende. Ainda assim, ele foi duro ao criticar a falta de iniciativa dos controladores: ´Eles ficaram quase uma hora tentando contato com o Legacy, sem conseguir. Por que tentaram tanto? Porque sabiam que tinham errado ao não dar a mensagem completa (ficar a 37 mil pés só até Brasília). E por que não usaram esse tempo para mover o Boeing um pouco à direita ou à esquerda? Era só fazer uma abertura de 30 graus.´
Um ex-comandante, com 11 mil horas de vôo, estranha o fato de os pilotos americanos não terem questionado os controladores quanto a seguir ou não o plano de vôo. ´Qualquer dúvida, o piloto tem que questionar´, afirma. Ele lembra que, num vôo do tipo RVSM (sigla de Reduced Vertical Separation Minimum, ou seja, com apenas mil pés de diferença de altura entre os aviões), como era o caso, mudar de altitude é gravíssimo, já que há possibilidade de choque.
´O que tem que ficar claro é que, numa rota RVSM, qualquer falha de comunicação implica a necessidade de se abolir o RVSM. A distância entre as aeronaves tem de ser ampliada imediatamente´, esclarece o piloto, para quem ´controladores e pilotos erraram´.
Joseph Lepore e Jan Paul Paladino continuam hospedados no hotel Marriot, no Rio, reclusos e sem os passaportes, apreendidos pela Polícia Federal há 24 dias. Na última semana, não puderam aproveitar os belos dias de sol, apesar de estarem de frente para a praia de Copacabana. Ambos mantêm-se trancados no quarto, aguardando convocação do delegado da PF Renato Sayão para depor.
Estão saudosos de casa e apreensivos quanto à possibilidade de serem indiciados pelas 154 mortes. As mulheres dos dois estiveram no Rio, mas não há confirmação se elas permanecem na cidade.