Gente indigesta 27/11/2016
- MARY ZAIDAN - O GLOBO
Alçado ao cargo maior da República depois dos escândalos de corrupção que destroçaram o PT, do acirramento das crises política e econômica - aprofundadas pela incompetência e soberba de Dilma Rousseff -, e pela pressão das ruas, o presidente Michel Temer só tinha duas alternativas: acertar ou acertar. Nos rumos da economia e na moralidade com a coisa pública. Mas não se cansa de errar: ainda patina no ajuste das contas e esborrachou-se de vez no plano ético.
Para a economia, Temer chamou Henrique Meirelles, aplaudido pelo mercado, mas já um tanto incapaz de, só na lábia, manter a animação do setor produtivo. Um público angustiado com a ausência de liderança política para acelerar a aprovação de medidas emergenciais no Congresso. Menos cuidadoso, Temer correu riscos ao nomear Romero Jucá (PMDB-RR) para o Planejamento, e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para o Turismo, ambos enrolados com a Lava-Jato. Teve de despachá-los antes mesmo de eles esquentarem as cadeiras.
No Senado, o ex-ministro Jucá continuou líder do Governo, tendo sido o maestro da inclusão, na vigésima-quinta hora, de parentes de políticos na nova versão da repatriação de dinheiro não declarado depositado e mantido no exterior. Algo que deveria ser vetado por Temer se algum juízo ainda lhe restar.
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Na sexta-feira, quem saiu foi Geddel Vieira Lima, que se autoimolou tarde demais para poupar o chefe da imoralidade de ter protegido o amigo em algo indefensável: o uso do Estado em benefício próprio.
Geddel, então ministro de Governo, um dos mais próximos do presidente, teria feito pressão para que o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, interviesse na liberação da obra do La Vue, embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Empreendimento de luxo, localizado na Ladeira da Barra de Salvador, o prédio teve autorização para no máximo 13 andares. Antes do embargo, Geddel teria comprado um apartamento 10 andares acima, hoje, um pedaço de ar ou brisa.
O caso, tão corriqueiro na política dos tempos pré Lava-Jato - a ponto de Geddel, políticos aliados e o próprio Temer considerarem que morreria com o tempo -, ganhou corpo quando Calero denunciou a pressão de Geddel, logo depois se demitir. E mais ainda quando se revelou que Calero tinha ido à Polícia Federal para uma denúncia formal, na qual teria incluído o presidente Temer e até, supostamente, uma conversa gravada. Algo que não combina com o relato anterior do ex-ministro, feito no sábado, 19, de que o presidente teria desautorizado Geddel ao dizer a ele, durante a conversa no Planalto: “O presidente sou eu, não o Geddel”.
Ainda que existam pontos que não se ligam nas versões dos ex-ministros Geddel e Calero, nada justifica a participação de um presidente da República nessa história. Temer nem poderia se permitir discuti-la. Trata-se de uma obra privada, na qual um de seus auxiliares tinha interesse pessoal – queria desembaraçá-la, mesmo que ao arrepio da legalidade. Algo fora do escopo da coisa pública, fora dos interesses do país. Portanto, pecado difícil de purgar.
Além de complicar Temer, o episódio Geddel espalhou veneno em alvos inesperados. No afã de mais uma vez criticar a mídia, o ex Lula se entregou à Lava-Jato: “Vocês percebem que não dão destaque ao apartamento do Geddel como deram ao meu tríplex”, disse, inflamado, em discurso para uma plateia fiel na Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Um ato falho. Uma confissão.
Iguaria para a oposição, o episódio Geddel vai subsidiar pedidos de impeachment de Temer, acareações, desconfianças entre aliados, brigas sem fim no cotidiano das pessoas, já expressas nas redes sociais. Em suma, mais pimenta em um caldeirão de instabilidades que ninguém mais aguenta.
Indigesto, Geddel, quem o apoia, coisa que cheire ou com ele se pareça, é tudo que o país não quer mais ter de engolir.