Um país pode ter certeza de que está a caminho de grande confusão – ou, talvez, até de que já tenha chegado lá – quando começam a se repetir na vida pública situações nas quais é preciso escolher entre o errado e o errado.
É um erro um ministro do Supremo Tribunal Federal tomar uma decisão considerada flagrantemente ilegal pela maioria dos colegas; fica pior ainda quando se trata de uma contribuição consciente à desordem política.
É um erro que a direção do Senado Federal se recuse a respeitar a decisão tomada, e que nove ministros da mais alta corte de justiça do Brasil concordem com o ato de desobediência.
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O que está valendo nessa história, afinal das contas?
Quem fala primeiro?
Quem fala mais alto?
Eis aí, na prática, o preço que os brasileiros estão pagando por uma realidade que se torna cada vez mais alarmante: o STF deixou de funcionar como um tribunal de justiça.
Tornou-se, para efeitos práticos, um ajuntamento de onze indivíduos que se separam uns dos outros não por pensarem de modos diferentes sobre a lei, mas por que têm interesses pessoais contraditórios entre si.
São onze ilhas que não formam um arquipélago.
Um ministro da suprema corte brasileira, hoje em dia, equivale a aquele tipo de evento natural que cai na categoria dos chamados fenômenos irresponsáveis – raio, chuva, terremoto.
São coisas que acontecem, simplesmente, sem controle nenhum por parte de quem sofre os seus efeitos; é certo, apenas, que todos pagam, assim como a população paga pelos repentes de um grupo de cidadãos que têm poder de mais e responsabilidade de menos.
Ultimamente deram para governar o país, sem ter recebido um único voto, sem a obrigação de prestar contas por nada do que fazem e sem correr, jamais, o mínimo risco de perderem seus cargos.
Como os poderes executivo e legislativo foram desmoralizados até o seu último átomo pela corrupção, a incompetência e a vadiagem, o STF cresceu de uma maneira doentia, e completamente desproporcional à sua capacidade de gerir conflitos.
Já seria suficientemente ruim se o Supremo, com todas as suas disfunções, agisse dentro de mecanismos racionais, coerentes e previsíveis.
Mas não é assim, como se comprova com frequência cada vez maior.
As decisões do STF podem ser qualquer coisa.
O que é feito num caso não é feito em outro igual – ou tão parecido que não dá para saber a diferença.
O que está valendo hoje pode não estar valendo amanhã.
O ministro “A” discorda do ministro “B” não porque vê as leis de outra maneira, mas porque os dois são inimigos pessoais, políticos ou ambas as coisas ao mesmo tempo; um acha que o outro simplesmente não tem o direito de estar no cargo.
Falam em “principialogia axiomática”, “egrégio sodalício” ou “ofício judicante”, como se esse tipo de dialeto revelasse sabedoria; conseguem, apenas, ser incompreensíveis.
Perde-se, como resultado disso, tanto o senso de decência como o respeito à lei.
Será mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, como na Bíblia, do que encontrar alguém a favor de Renan Calheiros entre os brasileiros que de alguma forma se importam com política ou questões da vida pública.
É um tipo humano que praticamente só se encontra no Senado Federal e no STF.
Um bode expiatório, afinal das contas, muitas vezes vale tanto quanto uma boa explicação – e Renan, com os onze processos que tem no lombo e todo o restante do seu repertório, é uma figura praticamente perfeita para o povo odiar.
Mas quem está disposto, do mesmo jeito, a apontar algum herói entre os gatos pingados que votaram contra ele no Supremo?
Situações de erro contra erro em geral não contêm inocentes.