Não tem cabimento 08/12/2016
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG - O GLOBO
Claro que será melhor se a emenda do teto de gastos for aprovada em votação final antes do fim do ano. Mas está claro também que a recuperação da economia brasileira, no curto prazo — ano que vem, por exemplo — não depende disso.
O teto de gastos é crucial para o longo processo de ajuste das contas públicas, e sua aprovação terá efeito positivo nas expectativas. Não fará grande diferença, entretanto, se for aprovada agora ou no início de 2017.
Portanto, não faz sentido o argumento de Renan e sua turma de que ele não pode ser afastado da presidência do Senado para não prejudicar a agenda econômica.
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E — quer saber? — seria ainda pior se a agenda de interesse nacional dependesse do comando de um réu, acusado de desvio de dinheiro público.
Tem coisas que ou têm ou não têm cabimento. E não tem cabimento achar que o ordenamento das contas públicas, o restabelecimento da austeridade, depende de um político acusado de malversação do dinheiro do contribuinte.
O teto dos gastos e, especialmente, sua medida complementar, a reforma da Previdência, dependem de amplo entendimento nacional e sólida base política.
Isso é necessário em dois momentos.
Primeiro, na aprovação e, segundo, na implementação.
Reparem: sem a reforma da Previdência, não haverá como conter o crescimento das despesas públicas.
Permitam uns poucos números: no ano passado, o INSS pagou R$ 436 bilhões em aposentadorias, pensões e outros benefícios; neste ano, vai passar de R$ 500 bilhões.
A arrecadação do INSS no ano passado foi de R$ 350 bilhões. Neste ano, nem chegará a R$ 360 bi.
Não é preciso nenhum especialista para se verificar que o déficit é explosivo.
Ora, se a emenda do teto de gastos está quase aprovada, a reforma da Previdência, na melhor das hipóteses, somente será votada em caráter final lá por dezembro de 2017.
Ou seja, o ajuste não é coisa simples, depende de árduo trabalho político do governo Temer.
E será difícil obter e manter apoio político para isso enquanto o presidente Temer estiver acompanhado de políticos desmoralizados.
Uma história paralela: o senador Garibaldi Alves, aliado, recebe uma aposentadoria de R$ 20.250, benefício que adquiriu com 15 anos de trabalho como deputado estadual do Rio Grande do Norte.
O senador considera muito justa essa aposentadoria, assim como acha normal acumulá-la com o salário de senador, de R$ 33 mil.
E assim estoura o teto salarial do serviço público.
Ora, como esse senador pode votar uma reforma que vai pedir idade mínima de 65 anos e 49 anos de contribuição para um aposentadoria que seria hoje de R$ 5.189,92?
Com essa situação toda, ficar dependendo de Renan....
FIM DA RECESSÃO
A recuperação mais imediata da economia depende de dois fatores: um, a queda dos juros em ritmo mais intenso; e, dois, uma administração da política econômica mais eficaz.
O Banco Central quase certamente vai acelerar a queda dos juros já em janeiro. O presidente Ilan Goldfajn praticamente garantiu isso, sempre, é claro, com a ressalva de que se as circunstâncias mudarem....
Já uma gestão mais eficaz da política econômica no dia a dia vai depender de uma reforma no gabinete de Temer com a entrada de gente mais habilitada e menos suspeita.
ROUBO DO BEM
Um amigo de minha família materna, no interior de São Paulo, contava que participara, como político do velho PSD, de uma audiência com o então governador Ademar de Barros.
Um prefeito (vou omitir os nomes) reclamava de uma verba para um viaduto que fora prometido na campanha.
O secretário da Fazenda estava segurando o dinheiro.
O governador manda ligar para o secretário e vai logo ordenando a liberação.
Mas interrompe a ligação e pergunta ao prefeito de quanto era a verba necessária.
O prefeito cita algo que seria hoje uns R$ 10 milhões.
O governador: “Nesses 10 milhões já está a sua parte?”
O prefeito, inibido: “O que é isso, governador?”
Ademar, ao telefone, com o secretário:
“Coloca logo 10 milhões e 150 mil.
Se não, o prefeito vai tirar o dele dos 10 e vai estragar o viaduto”.
Pois é, o governador organizava a propina para garantir que a obra fosse bem feita.
Acreditava-se, então, que agia em nome do interesse do público que ia circular pelo tal viaduto.
Em tempos modernos, a propina foi institucionalizada.
E pior, surgiu uma nova versão do “rouba mas faz”.
Trata-se da tese segundo a qual o país só avança se forem atendidos os interesses, digamos, especiais, dos políticos.
Algo como, “bandidos podem ser, mas tocam o país”.