Aborto – algumas reflexões incômodas 10/12/2016
- *Dom Odilo P. Scherer
No dia 29 de novembro passado, a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão de não considerar crime o aborto voluntário praticado antes de completar o terceiro mês de gestação.
Houve aplausos de quem luta pela despenalização do aborto, mas também decepção de quem defende a inviolabilidade da vida nascente. Estou no segundo grupo.
Não se tratou da liberação do aborto de maneira geral, nem da sua descriminalização pura e simples. Porém a decisão cria um precedente, que pode ser invocado e aplicado por juízes em outros casos semelhantes.
PUBLICIDADE
Portanto, ficou aberta uma porta larga para a realização de abortos “legais”, antes de se completarem os três meses de gestação.
Houve perplexidades e dúvidas quanto à legitimidade da decisão, pois, no caso, o STF teria extrapolado de suas funções de garantidor da interpretação fiel da lei, sobretudo da Constituição, assumindo o papel de legislador, que compete ao Congresso Nacional.
Os argumentos apresentados pelo ministro relator, e seguidos por outros ministros, parecem, no mínimo, questionáveis e não levaram em conta a natureza do ato abortivo, que suprime a vida de um ser humano inocente e indefeso.
O fato de diversos países “desenvolvidos e democráticos” já terem liberado o aborto durante o primeiro trimestre de gestação não pode ser tomado como motivo para que o Brasil faça o mesmo.
Por que deveríamos, neste caso, imitar outros países, em vez de afirmar convicções próprias?
Imitar no bem sempre é louvável e deveríamos imitar outros países na justiça e equidade social, no bom nível de saúde e educação, na superação da violência e na honestidade pública.
Imitar outros países na prática do aborto não é a coisa mais sábia nem virtuosa.
Não se sustenta o argumento segundo o qual direitos fundamentais da mulher seriam violados com a proibição do aborto durante o primeiro trimestre da gestação.
Por que motivo, se é da natureza da mulher tornar-se mãe?
Impedi-la de se tornar mãe, ou negar-lhe a devida assistência na gravidez e na maternidade, isso, sim, seria violar direitos naturais da mulher.
Além do mais, há uma flagrante inversão na afirmação do direito: se considerarmos que o feto já é um ser humano, a ele é que deve ser assegurado seu direito à vida; não existe um “direito humano” de tirar a vida de outro ser humano inocente e indefeso!
Geralmente se esquece de olhar a questão do ponto de vista do abortado. Como se ele nem existisse!
Afirmam-se os direitos dos adultos e da sociedade, enquanto o bebê sofre violência e perde a vida, sem ter culpa e sem a possibilidade de se defender.
Neste caso, é de perguntar se o ato formalmente “legal” também é justo, honesto e digno da parte de quem o promove e pratica?
Haveria apenas um motivo para excluir a gravidade do ato abortivo: se o bebê em formação ainda não fosse um ser humano.
Neste caso, porém, o que seria ele antes do nascimento, ou em qualquer estágio de seu desenvolvimento intrauterino?
Para a ciência, trata-se de um embrião ou feto humano. E a boa filosofia confirma: se o feto não for humano desde o início da gestação, não o será em nenhum momento sucessivo.
Após a fecundação, já há apenas um “montinho de células”, mas um ser humano em desenvolvimento.
Para ser considerado humano, com direito à vida, requer-se que o feto já tenha o córtex cerebral suficientemente formado, capaz de sentimentos e atividade cerebral?
Também isso soa questionável e equivocado, do ponto de vista antropológico.
O ser humano não pode ser considerado tal apenas a partir de determinados estágios no desenvolvimento de seu organismo.
Ele existe como ser humano desde a fecundação e não se pode estabelecer um momento antes do qual ele ainda não seria humano e com direitos.
Seu primeiro direito é a vida.
Causa estranheza que se apresente o aborto, mais e mais, como questão de saúde pública.
Certamente, não porque a gravidez seja uma doença!
É verdade que se praticam muitos abortos de maneira clandestina, dos quais podem resultar sérios problemas para a saúde das mulheres.
Parece a alguns que o recurso ao aborto “legal” seria a solução adequada para resolver esse mal.
Os bebês abortados não gritam, não se defendem, não cobram justiça...
O aborto legalizado, ademais, poderia abrir espaço para iniciativas econômicas promissoras; talvez até impostos viessem a ser recolhidos!
Mas a que preço?!
E se pretende resolver o problema de saúde pública tirando a vida a pequenos indefesos?
Por que não tratar de educar e esclarecer mulheres e homens, mais e melhor, a respeito da sexualidade, do seu exercício e de suas implicações?
A prática do sexo, normalmente, pode dar origem a bebês e quem não os pode ter, nem deseja, deve saber o que fazer e como assumir a responsabilidade de seus atos.
Enquanto humanos, somos seres éticos e devemos assumir nossos atos, ainda mais quando eles incidem sobre outros humanos.
O bebê em gestação já é um “outro” e de forma alguma pode ser considerado parte do corpo da mãe.
Mas quem ainda ousa falar de moral?
O Estado lava as mãos, não se considerando competente para propor uma moral; as famílias ou escolas são desautorizadas de fazê-lo.
Outras instituições, como as organizações religiosas, sofrem um patrulhamento ideológico pesado, para não exercerem seu papel educativo.
Assim, a moral fica por conta de cada um, de grupos militantes, ou de quem tem o poder da informação.
Esse problema é sério, não apenas quando se trata de moral sexual, mas também de questões cruciais para o bom convívio social, como a honestidade, o respeito, a justiça e a dignidade humana.
Quais serão, no futuro, os referenciais éticos comuns no convívio social?