Outra carta de Temer – e o que ela esconde 13/12/2016
- BLOG DE RICARDO NOBLAT - O GLOBO
Dado a missivas, hábito que infelizmente está cada vez mais em desuso, o presidente Michel Temer enviou ontem mais uma – dessa vez não para a ex-presidente Dilma Rousseff que amanhã completará 69 primaveras (saúde, presidenta!), mas para Rodrigo Janot, procurador-geral da República.
Subscrita também pela Advocacia-Geral da União, a carta é um primor por dizer uma coisa e sugerir o inverso. Pede a Janot celeridade nas investigações da Lava-Jato que atingem a cúpula do seu governo e o próprio Temer. Sugere que ele contenha o vazamento das delações até que elas se esgotem.
Como sempre quando se sente acuado, Temer se enrola na bandeira das reformas econômicas. Na expectativa de que mais 76 delações da Odebrecht se tornem públicas em breve, ele diz que sua divulgação precoce pode comprometer a estabilidade política do país. Em certa altura da carta, Temer afirma:
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- A condução dessas e de outras políticas públicas a cargo da União vem sofrendo interferência pela ilegítima divulgação de supostas colaborações premiadas.
Não há “supostas colaborações premiadas”. Há colaborações, já dadas ao Ministério Público Federal, que mais tarde serão ou não homologadas pelo ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal. Não é “ilegítima” a divulgação das colaborações. É direito da população tomar conhecimento delas, e da imprensa divulgar.
A “condução” das políticas públicas “a cargo da União” não está em perigo por causa das delações publicadas. Pode estar porque os atuais condutores das políticas públicas, a exemplo dos condutores depostos, esses, sim, estão em perigo. Perigo de perderem as condições de continuar no cargo.
Se isso vier a ocorrer, não se deve jogar a culpa na Lava-Jato. Nem nos delatores. Muito menos na imprensa. Cada um cumpre o papel que o distinto público espera deles. A culpa será de quem chafurdou na lama e acabou descoberto. Ninguém era obrigado a chafurdar. A lei proibia que chafurdasse. Aguente as consequências!
Recente pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que 96% dos brasileiros querem que a Lava-Jato vá até o fim mesmo que à custa de severas perdas econômicas. Assistir à queda de um ou mais governos sairia barato desde que fosse para reduzir ao máximo a prática da corrupção por aqui.
A corrupção aumenta o custo de vida e reduz a qualidade da vida dos que dela não se beneficiam – a esmagadora maioria. Que se vão todos, portanto. E ao preço estipulado pela lei.