Um ataque à disciplina fiscal 05/11/2006
- O Estado de S.Paulo
Políticos da base aliada prepararam mais uma investida contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, com apoio, certamente, de governadores e prefeitos de todos os partidos. O objetivo, agora, é abrir uma brecha para maior endividamento de Estados e municípios, principalmente, segundo se alega, para investimentos em serviços de saneamento básico. Caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva impedir mais esse ataque a uma das leis mais importantes aprovadas desde a mudança constitucional de 1988. Se não o fizer, terá dificuldades muito maiores, no segundo mandato, para cumprir o compromisso, reafirmado nessa semana, de levar adiante a arrumação das contas públicas. Se agir a tempo, e com firmeza, dará maior credibilidade a esse compromisso.
O principal defensor da mudança é o presidente da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, deputado Gilmar Machado (PT-MG). É preciso, segundo ele, mudar a lei com urgência, antes da aprovação da proposta orçamentária para 2007. Essa mudança, diz o deputado, poderá ser um dos temas de negociação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os governadores eleitos, incluídos alguns da oposição.
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Pelo menos um destes, a governadora eleita do Rio Grande do Sul, a tucana Yeda Crusius, tem defendido uma Lei de Responsabilidade Fiscal mais branda, aliás anunciada por promessa do candidato Lula para aquele Estado, às vésperas da eleição. Os Estados com programas de ajuste encaminhados de forma satisfatória poderiam ter condições de pagamento da dívida ou mais espaço para investimento em certos programas.
A idéia de um prêmio por bom comportamento é inaceitável. Finanças públicas em ordem são uma condição essencial à normalidade em qualquer município, Estado ou nação. Estados e municípios endividados teriam quebrado, há muito tempo, se o governo federal não houvesse, nos anos 90, refinanciado seus compromissos. Uma atitude leniente apenas criaria condições para um retrocesso.
O próprio presidente Lula estimulou pressões por mudanças, provavelmente de forma não intencional, ao anunciar a formação de um grupo para estudar o socorro a governadores e prefeitos com dificuldades para cumprir as obrigações. Com a movimentação no Congresso, o presidente deve ter percebido os perigosos desdobramentos dessa conversa.
A mera proposta de se incluir a Lei de Responsabilidade Fiscal nas negociações políticas entre o presidente e os governadores eleitos basta para justificar as maiores preocupações. Nenhum homem público sensato pode fazer da legislação fiscal, um dos pilares da administração pública, um tema de barganha entre presidente, governadores e prefeitos. A simples menção a essa possibilidade mostra a pouca seriedade da sugestão.
Segundo defensores da mudança, a Caixa Econômica Federal tem dinheiro sobrando para projetos de saneamento e é preciso aproveitá-lo. Mas também esse argumento é enganador. Com ou sem dinheiro da Caixa Econômica ou de outros bancos, é preciso manter controlado o endividamento do setor público. Recursos serão sempre limitados e é função dos governantes fixar prioridades. Sempre haverá programas defensáveis em vários setores - saneamento, educação, assistência médica e assim por diante.
No caso do saneamento, a solução é mais fácil. O setor privado pode perfeitamente prestar o serviço, por meio de concessão, ficando o poder público liberado para gastar noutras áreas. Por que não discutir as possibilidades de concessão, neste e noutros setores, em vez de propor o afrouxamento financeiro?
A ameaça real ao interesse público não está na Lei de Responsabilidade Fiscal. Está na cabeça de políticos incapazes de entender por que os governos devem usar com parcimônia, prudência e competência o dinheiro dos impostos. Recursos financeiros não caem do céu e não nascem nas árvores, nem nos campos. Cedo ou tarde - em geral não muito tarde - o povo acaba pagando pela imprudência do governo. Em algum momento, o setor público o chamará, como contribuinte, para cobrir com seu dinheiro os buracos do orçamento. Esse mesmo setor público lhe imporá, além disso, um pesado calote, deixando de prestar-lhe os serviços necessários quando o Tesouro estiver em crise. E tudo isso em nome das melhores intenções.