Crivella e os 12 apóstolos 31/12/2016
- HUDSON CARVALHO - O GLOBO
Entre as boutades atribuídas ao escritor Oscar Wilde, há uma da época em que ele era acusado de pederastia em sua relação com o lorde Alfred Douglas: “Em geral, tudo que dizem da gente é absolutamente verdadeiro”.
Falam muitas coisas do prefeito eleito Marcelo Crivella, que vão desde a impropriedade de fusionar religião com política até a adoção de uma ética de conveniência.
Nem todas as implicâncias são desamparadas pela realidade. Outras, porém, frutificam como chiliques preconceituosos de parte de uma burguesia que lhe é hostil.
PUBLICIDADE
Crivella é afável e contido no trato pessoal. O seu sorriso varia entre o amigável e o cético, sincronizado com um olhar ajustável aos sentimentos momentâneos.
A expressão cândida e samaritana e a voz maviosa são as molduras luxuosas da sua persona.
Apesar disso, inúmeros segmentos o repelem — cada vez menos, é verdade — por desconfianças consolidadas ou oportunistas.
Por muito tempo, as objeções prevaleceram e impediram que Crivella se tornasse governador do estado ou prefeito do Rio.
Agora, conjuntura desarranjada e muitas preces o colocaram em um segundo turno ideal; no enfrentamento de um adversário com rejeição maior do que a dele.
O resultado se sabe: Crivella elegeu-se com menos de 35% dos votos totais para administrar uma cidade antípoda da sua essência.
Agora, Crivella apresentou o secretariado, que é composto por sócios do seu êxito eleitoral.
Ao enxugar, saudavelmente, o primeiro escalão para só 12 secretarias, limitou a representação do governo, não incorporando outras visões.
Sem fulanizar e considerando, hipoteticamente, que os 12 secretários (ou apóstolos na piada pronta do simulacro bíblico) sejam mulheres e homens de bem, o perfil majoritário dos selecionados é, administrativamente, desanimador frente aos gigantescos desafios que se apresentam.
Descrente de uma regeneração nas relações com os segmentos que lhe são críticos, Crivella optou por uma formação que prioriza fortalecer o seu novo e heterogêneo grupo político para os futuros embates eleitorais, em detrimento da qualificação governamental. O projeto 2018 já tem nome: Indio da Costa. Não há nesse secretariado o menor rascunho de contemporaneidade administrativa. Ao contrário; alguns exalam medievalismo ideológico e comportamental. A presença de Marcelo Faulhaber, entre os seus principais conselheiros, animava perspectivas de gestão estruturante e moderna, que não se projeta no elenco escolhido.
Crivella poderia ter tentando algo diferente, mas não o fez. Está no seu direito, respaldado pelas urnas.
Dizem pessoas próximas que ele ouve a todos atenciosamente, mas é impermeável a aconselhamentos.
Assessora-se somente com o seu juízo.
Tudo indica que, na melhor das hipóteses, teremos um governo convencional e assistencialista, com um comandante refratário à opinião pública.
É uma pena, pois, diante das crises econômica e política que assolam o país e o Estado do Rio, não podemos nos dar ao luxo de esperar apenas por milagres.