A Lava Jato e a infraestrutura 01/01/2017
- AFFONSO CELSO PASTORE*
Frequentemente ouço a afirmação de que as empreiteiras “sabem fazer as coisas acontecerem”, seguida da conclusão de que a corrupção deveria ser tolerada porque ajuda o crescimento.
Mas as evidências apontam exatamente na direção contrária. Em vez de “engraxar as rodas” do crescimento, a corrupção “joga areia” sobre elas.
Com a conclusão dos acordos de leniência e a devida punição às empreiteiras, estas poderão voltar a operar, mas terão aprendido com Gary Becker que o “custo marginal” do crime é tanto maior quanto mais alta for a probabilidade do ato de corrupção ser pego e de que seu autor seja punido.
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Em vez de inibir o crescimento econômico, a operação Lava Jato vem criando as condições para que os empresários parem de investir em conexões políticas vantajosas e se concentrem na busca do aumento da eficiência, elevando a produtividade e conduzindo à aceleração do crescimento.
Com o Estado sem recursos, os investimentos em infraestrutura somente poderão ser realizados pelo setor privado.
As concessões são contratos de prazos longos, cuja complexidade torna praticamente impossível a previsão de todas as contingências, e por isso muitos têm de ser renegociados.
No caso do sistema de túneis urbanos, em Boston, por exemplo, ao longo de 25 anos as inúmeras renegociações ocorreram devido a razões técnicas, mas no caso da refinaria Abreu e Lima elas se iniciaram logo após a assinatura do contrato, multiplicando seu valor por 10.
Este último não é um exemplo de investimento em infraestrutura, mas de conluio entre o governo e as empresas, através do qual estas oferecem condições imbatíveis diante da certeza de que o contrato será renegociado.
Como lembram Schleifer e Vishny (“Corruption”; NBER #4372) “a estrutura das instituições governamentais e o processo político são determinantes muito importantes do nível de corrupção”, e enfatizam não somente que governos fracos que não controlam as suas agências levam a níveis ultra elevados de corrupção, como também que “empresas estatais são ineficientes não somente porque seus gestores têm incentivos mais fracos para reduzir custos, e sim porque a ineficiência é o resultado da política deliberada do governo de transferir recursos aos que o suportam politicamente”.
Esta tem sido a história brasileira nos últimos anos.
A corrupção pode elevar os benefícios privados de quem a pratica, mas os reduz para a sociedade. O que se quer nas concessões é que os empresários reduzam os custos do projeto sem prejuízo da qualidade.
Porém, na medida em que a renegociação se transforma em um instrumento para estabelecer o seu equilíbrio financeiro, não vêm razões para reduzir os custos, caindo a eficiência. Ou seja, são estimulados a investir em relações com lobistas que melhorem suas conexões políticas, ocupando o lugar de empresas mais eficientes que se negam a proceder desta forma, gerando um caso clássico de seleção adversa.
Por isso, é extremamente bem vinda a ação do Ministério Público investigando os atos de corrupção e informando o Poder Judiciário no seu julgamento.
Mas a ação da polícia, do Ministério Público e da Justiça é apenas uma condição necessária para que tais investimentos tenham eficiência.
É preciso inibir o estímulo à renegociação vindo de contratos mal elaborados e do risco regulatório excessivo, o que requer mudanças na legislação e a melhora na formulação técnica dos projetos.
Também é preciso inibir a cartelização, o que se inicia com o acionamento do Cade e se estende pela abertura à entrada no Brasil de empresas estrangeiras, com a remoção das barreiras existentes.
Atualmente, as empreiteiras internacionais não se dispõem a se arriscarem em concessões no Brasil, quer devido ao elevado risco regulatório, quer devido ao temor de que concorrentes nacionais obtenham vantagens através de conexões políticas.
Há um extenso caminho à frente para que o crescimento brasileiro se beneficie dos investimentos em infraestrutura, mas ele não inclui a inibição ao desenvolvimento da operação Lava Jato.
Com o Estado sem recursos, investimentos só poderão ser realizados pelo setor privado.
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EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.>