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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Vale o que está escrito
05/01/2017 - JOÃO LUIZ MAUAD*

“Os estados democráticos... não são livres por sua própria natureza. A liberdade política só pode ser encontrada em governos moderados; e, mesmo nestes, não é sempre encontrada. Só existe quando não há abuso de poder. Mas a experiência nos mostra que todo homem investido de poder tende a abusar dele, e exercer sua autoridade no limite do possível.” Montesquieu

Em julgamento de habeas corpus, a Primeira Turma do STF, por maioria de votos, resolveu declarar, com base no voto do ministro Luís Roberto Barroso, que a prática de aborto não é crime, desde que realizada até o terceiro mês de gestação. Embora tal decisão não seja vinculante, está em frontal desacordo com as leis vigentes no país.

Alguns dias depois do referido julgamento, o ministro Luiz Fux concedeu entrevista em que afirmou que decisões do Judiciário como aquela se devem à omissão do Parlamento em relação a determinados temas. O nobre ministro provavelmente não se deu conta de que silêncio e inação não se configuram necessariamente em omissão. Pode ser que, simplesmente, o Legislativo estivesse satisfeito com a norma em vigor, que autoriza o aborto somente em casos especiais de risco de vida para a mãe e estupro.


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Não é a intenção aqui entrar no mérito da liberação do aborto, mas destacar que, ao prolatar o referido acórdão, a Primeira Turma do STF exorbitou das suas funções ordinárias — tal qual já ocorrera nas decisões sobre o casamento gay e a prisão após julgamento em segunda instância. Em todos esses casos, o Judiciário invadiu a seara de outro poder constituído, julgando em desacordo com a letra da lei.

Independentemente das convicções e sentimentos de cada um, o papel do magistrado não é julgar conforme a sua ideologia ou de acordo com suas opiniões pessoais, mas zelar pelo fiel e preciso cumprimento das leis, que foram editadas por outro poder, constituído exatamente para tal fim. Se a norma legal porventura não é boa ou está ultrapassada, cabe ao Legislativo reformá-la, não aos juízes. O trabalho destes não é adaptar o texto da Constituição e das leis às “tendências modernas” ou às “mudanças culturais”, como querem alguns. Essa função é do Congresso.

A esse respeito, é sempre bom rememorar as lições do Juiz Antonin Scalia, um homem que, durante sua longa atuação na Suprema Corte americana, foi um intransigente defensor do texto legal, contra as interpretações abusivas e, não raro, descabidas de seus pares.

Scalia argumentava que a Constituição (e por analogia, a lei) significa o que ela diz. É, portanto, superior aos juristas que a interpretam. O que vale é o que está escrito, não o que alguns gostariam que lá estivesse. Para ele, “as palavras têm uma gama limitada de significados, e nenhuma interpretação que vai além desse rol de significados é permissível.”

Segundo Scalia, as garantias legais são reais. O exercício dos direitos e dos deveres articulados nas leis não pode ficar refém da opinião pública, sob pena de macular o Estado de direito. E vai além, ao dizer que um bom juiz terá de se resignar ao fato de que nem sempre vai gostar das conclusões a que vai chegar. E se, por ventura, vier a gostar delas o tempo todo, provavelmente estará fazendo algo errado.

Especificamente sobre o aborto, Scalia dizia que a sua “permissibilidade e as limitações sobre ela devem ser resolvidas como a maioria das questões importantes na democracia: por cidadãos que tentam convencer uns aos outros e, em seguida, pelo voto.”


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*Administrador e diretor do Instituto Liberal

  

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