Mais presos, mais lucro 07/01/2017
- ADRIANA CARRANCA - O GLOBO
O Departamento de Justiça americano determinou, em agosto, acabar com o uso de prisões privatizadas no sistema federal.
Nas palavras da procuradora-geral adjunta, Sally Q. Yates, em memorando sobre a decisão, as prisões geridas por empresas têm piores condições do que as do governo e “simplesmente não oferecem o mesmo nível de serviços, programas e recursos para correção (dos presos); não economizam custos substanciais (aos cofres do governo); e como apontado em um relatório recente do escritório do inspetor-geral do Departamento, não mantêm o mesmo nível de proteção e segurança.”
A principal queixa do Departamento de Justiça é a ausência de política de reabilitação dos presos nas instituições privadas. “Serviços de reabilitação, como programas educacionais e treinamento profissional, se provaram difíceis de replicar e terceirizar — e estes serviços são essenciais para reduzir a reincidência e melhorar a segurança pública”, diz o memorando.
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Os EUA têm a maior taxa de encarceramento do mundo. O número de presos em presídios federais saltou 800% entre 1980 e 2013. Como medida para evitar superlotação, o Departamento de Justiça começou a enviar condenados a prisões privadas em 1997 e se tornou o maior cliente da indústria bilionária de serviços de encarceramento — mais de 15% dos presos federais estão nestas prisões (nos presídios estaduais são 7%).
O Departamento de Justiça determinou que o número de presos federais seja reduzido à metade até maio. Outros cortes devem ser feitos nos próximos anos; contratos não devem ser firmados ou renovados.
A realidade das prisões americanas é muito diferente da que temos no Brasil, a começar pelo fato de que o Departamento de Justiça recorreu ao setor privado como medida emergencial para evitar a superlotação das próprias instalações, diante do crescimento exponencial de presos — ao contrário do Brasil, que permite às terceirizadas manter presídios superlotados mesmo pagando até R$ 4.100 mensais por preso, como no estado do Amazonas, segundo informou o “Estado de S.Paulo”.
A privatização dos presídios funciona assim: cria-se uma empresa em que a principal missão (reabilitar os presos, com o objetivo de reduzir a reincidência e, assim, melhorar a segurança pública), em última instância, levaria a mesma empresa à falência. É um modelo de negócios que só funciona se as prisões continuarem cheias e os ex-internos, voltando.
Inúmeros estudos já comprovaram a relação entre educação e formação profissional para presos e a queda da taxa de reincidência — um levantamento recente da Universidade de Nova York concluiu que programas vocacionais podem reduzir a reincidência em 20%; outro, do Departamento de Correções da Flórida, mostrou que os benefícios de se investir nestes programas excedem os custos que o governo teria com reincidência.
Nas mãos do setor privado, no entanto, a lógica é reversa: o investimento em programas de reabilitação de presos não implica apenas em mais gastos, como em menos ganhos no longo prazo, já que estes presos não retornariam ao sistema. Há óbvio conflito de interesses e implicações éticas na privatização dos presídios. A primeira: a responsabilidade do setor privado não é com a sociedade, mas com os investidores. Mais violência, mais presos; mais presos, maior o faturamento.
As empresas gestoras de presídios nos EUA têm gasto milhões de dólares em lobby contra, por exemplo, a descriminalização das drogas, pois isso reduziria o número de presos — a maioria dos que estão em prisões federais hoje cumpre sentença por tráfico. Também fizeram lobby contra a reforma das leis de imigração defendida pelos democratas, que poderia anistiar parte dos 11 milhões de ilegais que vivem nos EUA hoje. Na cadeia, eles dão lucro — imigrantes ilegais são a população que mais cresce nos presídios; mais da metade em instituições privadas.
Essas instituições também usam manobras para manter os presos por mais tempo, como atribuir a eles infrações internas, já que os juízes decidem sobre redução de penas com base em relatórios dos presídios sobre o comportamento dos internos. Com isso, compensam o lucro limitado pelo teto no valor cobrado por interno (10% menor do que o custo médio dos estados, exigência legal para sua contratação), segundo as Universidades de Wisconsin e Chicago. Outros estudos, compilados pelo In the Public Interest (ITPI), apontam manobras semelhantes.
O Departamento de Justiça age com independência, mas Donald Trump, que defendeu a terceirização em campanha, apontou como procurador-geral o ultraconservador Jeff Sessions, que pode reverter a determinação da gestão anterior. Eles, como as autoridades no Brasil, estariam na contramão das evidências.