Responsabilidade com o futuro 09/01/2017
- DENIS LERRER ROSENFIELD*
Esquerda parece ter ojeriza a qualquer limitação, como se o desrespeito a um verdadeiro orçamento fosse uma virtude
O presidente Temer tem imprimido uma marca em seu governo que o diferencia radicalmente dos seus antecessores petistas, a da responsabilidade.
Fácil teria sido se tivesse assumido uma postura demagógica, seguindo a trilha de sua antecessora, que conduziu o país a essa grave crise em que está imerso. Seu governo seria meramente de transição, sem nenhum compromisso com o futuro. As crises se avolumariam, e o novo governo, em 2018, encontraria um país à beira do abismo. As corporações se apropriaram ainda mais do Estado e festejariam os seus privilégios; os ideológicos se regozijariam de sua falta de ideias.
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As desonerações do governo Dilma, por exemplo, produziram um enorme déficit fiscal, além de terem desorganizado as relações econômicas. Hipotecaram o futuro. Carimbaram, assim, o nosso presente, pois a sua revogação deverá obedecer a prazos, contratos e à situação de cada setor econômico. Nada deverá ser feito açodadamente, mas se trata de um legado, que onera pesadamente o presente.
É muito mais fácil nada fazer do que enfrentar dificuldades.
E essas são enormes. O PIB acumula uma queda vertiginosa em três anos, o desemprego alcança 12 milhões de trabalhadores, a inflação foi apenas agora controlada e empresas estatais estão arruinadas.
A lista poderia ser alongada, com destaque sendo dado à desesperança que tomou conta dos brasileiros, sobretudo dos mais afetados pela falta de emprego, redução da renda familiar e quebra de expectativas.
O desafio do presidente Temer é enorme. Com coragem, descartou a opção populista, tão ao gosto de petistas e assemelhados, assumindo o risco da impopularidade. A sua responsabilidade, e isto está ficando cada vez mais claro, é com o futuro, com vencer a herança recebida e enfrentar os amazônicos problemas do presente.
Neste sentido, a impopularidade atual não deixa de ser inevitável. A verdadeira responsabilidade, a do futuro, será reconhecida no momento certo.
Em pouco tempo, os avanços do governo Temer foram imensos. Detenhamo-nos em sua tríade: teto dos gastos públicos, reforma da Previdência e modernização da legislação trabalhista.
A aprovação do teto dos gastos públicos foi uma medida de alta responsabilidade, de bom senso, e, no entanto, não aprovada por nenhum governo anterior. A mensagem foi clara: deve haver uma adequação entre as despesas e as receitas do Estado. Se isto não ocorre, a boca de jacaré abocanha o próprio país.
Aliás, temos aqui uma boa ocasião para revisarmos a distinção entre esquerda e direita. A esquerda não cessa de criticar a aprovação desta PEC do teto. Parece ter ojeriza por qualquer limitação, como se o desrespeito a um verdadeiro orçamento fosse uma virtude. Se for este o significado de esquerda, melhor então abandonar qualquer esperança em seu por vir. Os mesmos que conduziram o país a este estado de calamidade estão agora advogando pelas mesmas receitas que o produziram.
Ser de direita viria a significar adequar as despesas do país às suas receitas, da mesma maneira que os responsáveis por uma família administram os seus orçamentos, fazendo as contas do que podem gastar em alimentação, habitação, saúde, vestimentas, lazer e assim por diante.
A disputa entre direita e esquerda deveria, assim, se dar no interior de um orçamento, na discussão e implementação de suas prioridades, e não na extrapolação de qualquer limite. A responsabilidade para com o país deveria estar à frente de qualquer distinção ideológica.
A reforma da Previdência, que já teve a sua admissibilidade aprovada na Câmara de Deputados, que agiu responsavelmente, é, por sua vez, um compromisso com o futuro, com os hoje trabalhadores para que possam usufruir, posteriormente, de sua aposentadoria. Nas condições atuais, ela é altamente deficitária, tornando-se progressivamente incapaz de cumprir com suas funções. Quebrará se nada for feito agora, no presente.
Algumas medidas são impopulares, mas não é isto que importa. Se eventualmente algumas se mostrarem inadequadas ou injustas, que sejam alteradas na discussão parlamentar, sem que se perca de vista que limites orçamentários deverão ser observados. Eis o lugar da política corretamente compreendida, sem implosão do bem comum.
A proposta de modernização da legislação trabalhista constitui um avanço histórico, sem precedentes. O país não pode mais ficar atrelado ao mundo do final do século XIX e das primeiras décadas do XX, eivado de positivismo e corporativismo. As relações sociais, econômicas, tecnológicas e culturais sofreram transformações inauditas. Não podem, portanto, ficar engessadas a uma legislação ultrapassada pelo tempo.
Ter feito este reconhecimento e assumido esta responsabilidade de modernização é uma também uma marca deste governo. Fez algo que os anteriores tinham visto a necessidade, mas não ousaram dar este passo.
Ademais, tal proposta veio acompanhada de outra iniciativa importante, visando a atenuar os problemas mais imediatos do presente, via liberação das contas inativas do Fundo de Garantia. Milhões de pessoas foram beneficiadas, com a economia recebendo um incentivo para a sua recuperação.
Por último, o presidente Temer, nestes poucos meses de mandato, apostou em sua relação com a Câmara dos Deputados e o Senado. Teve plena consciência de que a transformação do país passa por uma relação harmônica com o Poder Legislativo. Reforma de artigos da Constituição e aprovação de novas leis passam por discussões e debates, que devem ter como pano de fundo o futuro do país.
Pode-se — e deve-se — criticar a postura de vários parlamentares por comportamentos inadequados e, mesmo, criminosos, conforme tem sido revelado pela Lava-Jato. Não se pode, contudo, criminalizar o Poder Legislativo e, muito menos, o presidente por levar adiante as mudanças tão necessárias para o país.
A política não trabalha com um mundo ideal, mas com a realidade tal como se apresenta.
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*Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.