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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Incerteza trumpista
13/01/2017 - JOSEPH E. STIGLITZ*

A cada janeiro, tento elaborar uma previsão para o ano que se inicia. Previsão econômica é, notoriamente, algo difícil, mas, apesar da verdade expressa no pedido de Harry Truman por um economista maneta (que não poderia dizer “on the other hand” — “por outro lado”), meu saldo tem crédito.

Nos últimos anos, eu previ corretamente que, na ausência de um estímulo fiscal mais robusto (que não veio nem na Europa nem nos EUA), a recuperação da Grande Recessão de 2008 seria lenta. Ao fazer essas previsões, me baseei mais em análises de forças econômicas subjacentes do que em complexos modelos econométricos.

Por exemplo, no início de 2016, parecia óbvio que as deficiências da demanda agregada global que se manifestaram nos últimos anos não mudariam dramaticamente.


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Assim, concluí que os que previam uma forte recuperação estavam olhando o mundo com filtros cor-de-rosa. E os acontecimentos econômicos ocorreram em sua maioria como eu previra.

Nem tanto os eventos políticos de 2016. Eu vinha escrevendo há anos que, a não ser que a crescente desigualdade — especialmente nos EUA, mas também em muitos outros países — fosse levada em conta, haveria consequências políticas.

A desigualdade, porém, continuou a piorar — com impressionantes dados mostrando que a expectativa de vida nos EUA estava em queda.

Esses resultados foram previstos no ano passado em um estudo, de Anne Case e Angus Deaton, que mostrou que a expectativa de vida estava em queda para uma grande parte da população — inclusive entre os irados residentes do chamado Cinturão da Ferrugem.

Mas, com a renda dos 90% mais pobres estagnada há quase um terço de século (e em queda para uma parcela significativa), os dados de saúde simplesmente confirmaram que as coisas não estavam indo bem para grandes segmentos do país. E enquanto os EUA situavam-se no extremo desta tendência, as coisas eram pouco melhor no resto do mundo.

Porém, se parecia claro que haveria consequências políticas, a sua forma e seu timing eram bem menos óbvios.

Por que a reação nos EUA ocorreu justamente quando a economia parecia se recuperar, e não antes?

E por que ela se manifestou numa guinada à direita?

Afinal, foram os republicanos que bloquearam a assistência àqueles que estavam sendo demitidos como resultado da globalização que eles empurraram açodadamente.

Foram os republicanos que, em 26 estados, se recusaram a permitir a expansão do Medicaid, e assim negaram seguro-saúde àqueles na base da pirâmide.

E por que o vencedor foi alguém que construiu sua vida tirando proveito dos outros, que abertamente admitiu que não pagava sua porção justa de tributos e fez da evasão fiscal um motivo de orgulho.

Donald Trump percebeu o espírito de época: as coisas não iam bem, e muitos eleitores queriam mudança.

Agora, eles a terão: não haverá negócios como de costume. Mas raramente houve tanta incerteza.

Não se sabe ainda quais políticas Trump vai implementar, para poder avaliar se terão êxito ou quais consequências trarão.

Trump parece empenhado em declarar uma guerra comercial. Mas como reagirão China e México?

O presidente eleito pode muito bem compreender que o que propõe vai violar as regras da Organização Mundial do Comércio, mas também sabe que vai demorar até que a OMC decida contra ele.

E até lá, a balança comercial americana estará reequilibrada.

Mas quem pode jogar esse jogo?

A China pode adotar ações similares, embora sua reação provavelmente será mais sutil.

Se uma guerra comercial eclodir, o que acontecerá?

Trump pode ter razões para pensar que poderá vencer; afinal, a China é mais dependente de exportações para os EUA do que os EUA são de exportações para a China, o que representa uma vantagem para os americanos.

Mas guerra comercial não é um jogo de soma zero.

Os EUA também vão perder.

A China pode ser bastante eficaz ao posicionar sua retaliação para causar profunda dor política. E os chineses podem estar em melhor posição para reagir às tentativas americanas de lhes infligir dor do que os EUA estão para responder à dor que a China pode infligir aos americanos. E alguém pode imaginar quem é capaz de suportar mais dor: os EUA, onde os cidadãos comuns já sofreram por tanto tempo, ou a China, que, apesar dos tempos difíceis, conseguiu registrar um crescimento de 6%?

Mais amplamente, a agenda republicana de Trump, cujos cortes de impostos pendem ainda mais para os ricos do que prevê a receita republicana, é baseada na ideia da prosperidade do tipo trickle-down (ao favorecer os mais ricos, estes investem mais, beneficiando a economia como um todo) — uma continuidade da economia da oferta da era Reagan, que na verdade nunca funcionou.

Uma brava retórica ou tweets às 3h da manhã podem amenizar a ira daqueles deixados de lado pela revolução de Reagan, pelo menos temporariamente.

Mas por quanto tempo?

E o que acontecerá depois?

Trump pode até querer repelir as leis básicas da economia, à medida que implementa sua economia vudu. Mas não dá.

Mesmo assim, enquanto a maior economia do mundo lidera o caminho para mares incertos da política em 2017 e além, seria imprudente para um mero mortal tentar prever algo além de dizer o óbvio: essas águas quase com certeza serão agitadas, e muitos — se não a maioria — navios-gurus afundarão ao longo do caminho.


...

*Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia.

  

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