Hackers na política 14/01/2017
- PEDRO DORIA - O GLOBO
É um marco, na história da diplomacia, a declaração por parte dos serviços de inteligência americanos de que hackers russos intervieram nas eleições.
A história é muito bem contada, crível, e se encaixa na maneira de pensar tanto do presidente russo Vladimir Putin quanto de Julian Assange, do Wikileaks.
É um marco, mas a ciberespionagem já está em curso faz bastante tempo.
PUBLICIDADE
Os países que mais se destacam são EUA, China e Rússia no primeiro time e, seguindo, alguns outros como Israel e, pasme, a Coreia do Norte, onde mal há internet.
Pelo pouco que se pode aferir, cada um lida de forma distinta com a questão, tanto na maneira de arregimentar hackers quanto em seus objetivos estratégicos.
Segundo Tony Craig, da Universidade de Cardiff, a Rússia vem se utilizando cada vez mais de hackers em suas disputas com outras nações.
O Kremlin, desconfia-se, está por trás de um ataque que deixou no chão o sistema financeiro da Estônia, em 2007, e do grid elétrico ucraniano, no início de 2016.
Mas mesmo especialistas têm dificuldade de avaliar as reais capacidades dos russos.
É preciso, porém, distinguir entre capacidade técnica e eficácia estratégica.
A quebra de segurança da correspondência de membros do Partido Democrata ocorreu por um método relativamente simples.
Quem perdeu o sigilo foi quem clicou no link de um e-mail falso. Tecnicamente, é trivial. Mas, do ponto de vista dos resultados, extremamente eficaz.
Na Rússia, o jogo entre hackers e governo é confuso. Moscou parece tolerar uma quantidade de hackers especializados em crimes financeiros porque conta com eles para trabalhos avulsos.
Na China e nos EUA, a coisa é mais profissional. Os países contratam para seus serviços de inteligência gente capaz.
O principal foco chinês parece ser espionagem industrial. Muitos dos hackers são oficiais do Exército, mas outros são contratados através de empresas estatais.
Adam Segal, do Council of Foreign Relations e um dos maiores especialistas no encontro do digital com a diplomacia, considera os russos mais hábeis e, os chineses, mais força bruta. Põem muita gente para quebrar sistemas.
Já os EUA, pelo que sabemos do vazamento feito por Edward Snowden, concentram-se em espionar outros governos, embora aqui e ali apareçam pontos de espionagem industrial.
Foi o caso do que fizeram com a Petrobras. Mas o vazamento de Snowden é um corte que, não necessariamente, representa bem o todo.
Com muita frequência, ao se falar de ciberespionagem, de cibersabotagem, a tendência é observar as capacidades técnicas, surpreender-se com hackers.
Mas, quase sempre, o principal ponto a se observar não é este.
Nem o Partido Democrata nem o comitê de Hillary Clinton tinham uma equipe minimamente preparada para lidar com segurança digital.
É muito comum. Esta semana mesmo, inadvertidamente, alguém da equipe de comunicação do Planalto anexou o arquivo errado num tuíte e entregou ao mundo uma planilha com todas as senhas de mídias sociais oficiais do governo federal.
Políticas de segurança digital em lugares nos quais a segurança de informação é importante são raras e, em geral, frágeis.
Vale tanto para empresas quanto para partidos políticos e governos.
Há casos de ataques complexos, sim. Israel e EUA danificaram, juntos, as centrífugas que o Irã utilizava para enriquecer urânio.
Os engenheiros nunca entenderam por que o equipamento funcionava mal.
Há os casos de Estônia e Ucrânia. Mas esses ataques são muito raros.
A guerra cibernética ainda é uma história de defesas fracas, não de ataques sofisticados.