Fogueira de vaidades 17/01/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
Tomado por seu valor de face, o pesado diálogo entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o subprocurador-geral Eugênio Aragão, relatado por este ao repórter Luiz Maklouf Carvalho, do Estado, é bastante revelador da encarniçada disputa por poder no Ministério Público.
Ali, embora Aragão tenha tentado enfatizar que se tratava de um bate-boca entre dois velhos amigos que haviam rompido, o que se observa é uma luta de baixo nível entre grupos visceralmente antagônicos dentro de um Ministério Público que hoje pretende representar o combate sem quartel – e às vezes sem respeito a limites – à corrupção.
Quando voltou à Procuradoria-Geral depois de sua curta temporada como ministro da Justiça nos estertores do governo de Dilma Rousseff, Aragão discutiu com Janot qual seria sua função dali em diante.
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Em sua última oferta, sempre segundo o relato de Aragão, Janot lhe ofereceu “o Supremo”, referindo-se ao Supremo Tribunal Federal, e o ex-ministro mostrou interesse.
Janot recomendou-lhe então colocar “a língua no palato” – o que, na interpretação de Aragão, significava “calar a boca”.
Diante dessa condição, Aragão, conforme sua versão, disse que não dava “a mínima para cargos” e que a atitude de Janot mostrava como ele e o procurador-geral eram “muito diferentes”.
Janot teria considerado a reação de Aragão “um soco na boca do estômago” e, ato contínuo, teria “desconvidado” o subprocurador-geral.
Aragão teria respondido que Janot foi “uma decepção” e que foi “desleal” e “seletivo” na condução da Lava Jato, sugerindo uma perseguição aos petistas e ao ex-presidente Lula da Silva – responsável pela nomeação de Janot.
Ao que o procurador-geral teria reagido com diversos impropérios.
“O Lula é bandido, como todos os outros”, disse Janot, segundo Aragão.
Aragão é conhecido pela defesa empedernida do que costuma chamar de “projeto de país” do PT.
Sua oposição aos métodos da Lava Jato foi e continua a ser tão violenta que chegou a atribuir à operação o colapso da economia.
Além disso, Aragão acusa desde sempre a Procuradoria-Geral, sob a batuta de Janot, pelo vazamento de informações que comprometeram dirigentes do PT.
Ao criticar os exageros dos procuradores envolvidos na Lava Jato e a irresponsabilidade do vazamento de delações premiadas ainda sob sigilo, com evidente intenção de interferir no jogo político, Aragão não pretende incentivar o aperfeiçoamento dos métodos da Lava Jato nem defender a preservação do Estado Democrático de Direito, mas apenas criar uma versão que coincida com a arenga da “perseguição política” a seus compadres petistas e embaralhar o processo de sucessão na Procuradoria-Geral da República.
Nem é preciso conhecer a fundo o timing político da Procuradoria-Geral para inferir que a atual crise pode ter relação direta com a intenção de Janot de concorrer a um terceiro termo.
Essa disposição do procurador-geral causa desconforto entre os procuradores que conseguiram emplacar, em 2003, o atual sistema de escolha, em que a categoria vota em três nomes e oferece essa lista ao presidente da República.
Desde então, nunca um procurador-geral buscou um terceiro mandato. Mas o grupo de Janot o considera indispensável para a Lava Jato, especialmente no momento em que a Procuradoria-Geral se debruçará sobre as delações dos executivos da Odebrecht contra políticos.
Há muita vaidade em jogo, conforme apontou, corretamente, o delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo à revista Veja.
Na entrevista, Grillo disse que alguns procuradores aparecem como “heróis” da Lava Jato e que o Ministério Público “resolveu nomeá-los representantes da operação”, esquecendo-se das outras instituições envolvidas e atribuindo-se uma missão quase messiânica.
“Agentes públicos não devem querer ser heróis, mas agir de acordo com o interesse público”, disse o delegado, num enunciado cujo espírito deveria ser apreendido, especialmente no Ministério Público, por todos aqueles realmente preocupados em preservar a legitimidade da Lava Jato.