A crise instalada nos presídios é séria e a sociedade exige uma atuação responsável do Estado.
Com toda a urgência possível, é preciso que o poder público reocupe o espaço que lhe compete e reassuma de fato o controle das prisões.
Diante desse quadro e disposto a mostrar uma resposta à crise, o governo de Michel Temer optou por dar um passo fora dos cânones institucionais e autorizou, por decreto, o emprego das Forças Armadas no sistema penitenciário nacional.
PUBLICIDADE
De acordo com o texto publicado no Diário Oficial, “as Forças Armadas executarão essa atividade (de garantia da lei e da ordem) nas dependências de todos os estabelecimentos prisionais brasileiros para a detecção de armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos”.
Esse trabalho, dispõe o decreto, “dependerá de anuência do governador do Estado ou do Distrito Federal e será realizado em articulação com as forças de segurança pública competentes e com o apoio de agentes penitenciários do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Cidadania”.
Ainda que pese a boa disposição do Palácio do Planalto de oferecer uma ajuda aos Estados – que, tendo em vista a realidade federativa do País, são responsáveis pela segurança pública e pelos presídios –, o decreto é um equívoco.
O uso do aparato militar nos presídios é um erro institucional, que distorce a finalidade primária das Forças Armadas, de defesa da Pátria.
Chama a atenção que o ministro da Justiça, professor de Direito Constitucional, não tenha alertado o presidente da República, que também ensina a matéria, a respeito desse deslize, que não é apenas formal.
Ao autorizar o uso das Forças Armadas para finalidades estranhas às suas precípuas competências institucionais, permite-se o emprego de pessoas e equipamentos além de suas habilidades e de seu treinamento.
Implica riscos consideráveis para a integridade das Forças Armadas e é uma medida de duvidosa eficácia.
A utilização das Forças Armadas nos presídios tem também o sério inconveniente de desvanecer a real causa do problema e sua efetiva solução.
Se o sistema carcerário é incapaz de manter ordem nas prisões – deficiência que ficou escancarada depois dos massacres promovidos pelas facções criminosas –, cabe ao aparato de segurança estadual restabelecer a ordem.
É difícil de imaginar que um governo estadual não tenha condições de impor a ordem dentro de um edifício onde estão confinados criminosos condenados.
No caso extremo de que não seja capaz de realizar tal tarefa, a medida adequada seria a intervenção federal.
Se razões políticas desaconselham a medida – por exemplo, enquanto um Estado estiver sob intervenção federal, não podem ser feitas alterações na Constituição –, este é mais motivo para exigir que o Executivo estadual assuma as responsabilidades que lhe competem.
De toda forma, nenhum elemento desse tenebroso quadro faz sugerir que a atuação militar possa ter alguma serventia.
A fim de aplacar as naturais críticas ao decreto, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, explicou que “as Forças Armadas não vão operar e controlar presídios e penitenciárias, não vão manejar os presos durante a varredura e não vão substituir policiais e agentes penitenciários estaduais”.
Se esse será o estrito âmbito da ajuda militar, mais razão para duvidar de sua eficácia e de sua necessidade.
O ministro deixa claro que as polícias militares estaduais continuarão a ser o elemento essencial para pôr ordem na baderna.
Ora, se assim for – e tendo em conta que o problema de segurança nos presídios está dentro deles, e não fora –, qual diferença farão os militares?
Gera-se a inconveniente impressão de que o decreto presidencial tem contornos de fogo de artifício.
E não é essa a resposta que se espera ao desafio do crime organizado.
Não menos grave nessa história é a manipulação do conceito de segurança nacional, na tentativa de conferir um ar de legalidade à entrada dos militares na solução para pôr ordem nos presídios.
A crise do sistema penitenciário é um tema de segurança pública, ponto final.
Segurança nacional, relacionada à soberania e à integridade nacional, é coisa bem diferente.
O Estado Democrático de Direito exige que não se confunda uma coisa com outra.