Os dilemas da pesquisa agrícola pública 28/01/2017
- Arnaldo Jardim, Octaciano Neto e Zander Navarro*
Sucintamente, urge apresentar o contexto que impõe crescentes e dificílimos desafios para o conjunto das instituições públicas dedicadas à ciência agrícola.
Aqui são agrupadas as 46 unidades da Embrapa, as inúmeras organizações estaduais e os setores das universidades públicas dedicados à pesquisa sobre esse campo científico.
O contexto: quando ocorrem processos de rápido crescimento e modernização da economia agropecuária, como visto nos últimos 20 anos, cresce exponencialmente o “bolo da riqueza” gerado pelo sistema agroalimentar, de uma ponta à outra, da agroindústria, que produz insumos para a agricultura, a supermercados e varejo, no outro lado.
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Além disso, tem-se afirmado uma espetacular revolução tecnológica que eleva a produção e a produtividade, mas também alça às alturas a complexidade das modernas atividades operadas pelos produtores rurais.
Ante essas tendências, as implicações são múltiplas e variadas, mas o ambiente operacional da pesquisa agrícola pública vai-se tornando quase tóxico, pois sua capacidade de atuar com efetividade, como no passado, vem sendo bloqueada por diversos fatores.
Um desses, para ilustrar: investigar só os temas que produzem resultados imediatos, como fazem as firmas, ou também pesquisar focos de longo prazo?
Como se equilibrar entre esses objetivos?
É lógico que as empresas determinem sua ação a partir do imperativo da maximização dos lucros.
Como se observa pari passu crescente acirramento concorrencial, muitas firmas também lançam tecnologias e inovações, que visam a situá-las favoravelmente na disputa por maiores fatias da extraordinária riqueza produzida nesse setor.
As empresas do lado privado do sistema, portanto, são forçadas a correr cada vez mais, senão serão excluídas da atividade.
E as áreas públicas da pesquisa?
Estas hesitam e, pior, nem sequer discutem entre si uma estratégia que as reposicione nesta era de memoráveis transformações.
Insistem em manter uma estrutura de unidades de pesquisa distribuídas nacionalmente que é hoje inequivocamente disfuncional.
São organizações capturadas pelo corporativismo sindical e ideológico e pela âncora inercial do Estado, o que inclui a inacreditável rigidez de imposições normativas que parecem desejar que o setor produtivo mais dinâmico da economia seja freado.
Por essas e outras razões, tanto a pesquisa agrícola federal como as instituições estaduais estão perdendo rapidamente a sua eficácia, impotentes diante das incertezas, que se avolumam.
As exceções vão-se tornando pontuais e episódicas.
Com uma agropecuária diversificada e cada vez mais moderna, o Espírito Santo, por exemplo, é um Estado com bem-sucedido controle fiscal e, assim, menos afetado pela atual crise econômica.
O Estado lançou neste ano o maior edital nacional (R$ 14 milhões) destinado à pesquisa agrícola, mas introduziu diversos requerimentos que visaram a assegurar o desenvolvimento de esforços de investigação realmente “colados à realidade”.
E são atividades que estão estritamente articuladas a um plano estadual de desenvolvimento agrícola recém-concluído, que foi construído de forma intensamente participativa, em outra iniciativa inédita.
Não obstante a solidez de suas lendárias instituições de pesquisa, São Paulo ilustra os mesmos dilemas.
Ainda assim, conforme o último balanço social do setor, consideradas apenas 48 tecnologias adotadas recentemente, cada real gasto na pesquisa agrícola retornou R$ 11,40 para a sociedade.
O Estado é hoje fortemente influenciado pela economia da cana-de-açúcar, que já representa quase 40% do valor bruto gerado no campo.
Mas ostenta o maior valor nacional da produção agropecuária e é o maior exportador de mercadorias do setor.
Por isso mesmo, modernizando-se continuamente, amplia-se o fosso entre as exigências concretas de “mais ciência, mais tecnologia, mais inovações”, oriundas do sistema agroalimentar, e as respostas mais lentas das instituições públicas de pesquisa, um hiato que atiça crescentes cobranças sociais.
Essas indefinições poderão ser atenuadas mais adiante com os impactos de diversas iniciativas, desde a regulação focada na aplicabilidade das pesquisas centradas no mérito das inovações a recompensas financeiras para os inventores ou maior flexibilidade jurídica e administrativa.
A meta principal é aprofundar a interação do Estado com o mundo privado, ampliando os espaços públicos não estatais e o protagonismo das empresas na execução de tarefas que convencionalmente seriam antes entendidas como sendo estatais.
Com novas formas de gestão pública, a pesquisa poderá colar-se ao cotidiano das cadeias produtivas e à realidade da produção.
São mudanças relevantes, pois o impasse está posto.
Alguns Estados, como Bahia e Rio Grande do Sul, já extinguiram suas áreas de pesquisa agrícola.
Seria esse o caminho?
Se for, qual seria, então, o papel da Embrapa no novo contexto?
Não obstante suas notáveis contribuições em seus primeiros 30 anos, essa empresa pública, criada em 1973, estaria atualmente contribuindo com eficácia, confrontado o enorme conjunto de perguntas ainda sem resposta?
É uma discussão que, lamentavelmente, não está ainda em andamento.
Esse é o quadro geral. É preciso agir.
O sistema agroalimentar é hoje o coração dinâmico da economia e precisa modernizar-se continuamente.
Para isso, manter a pesquisa agrícola pública ativa e competente é pressuposto incontornável, trabalhando em sintonia com os agentes privados.
O Ministério da Agricultura precisa, com urgência e dialogando sempre com todos os setores produtivos, em todo o País, coordenar imediatamente um debate amplo destinado a construir uma estratégia consistente no campo da pesquisa agrícola promovida pelo Estado.
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*SECRETÁRIO DE ESTADO DA AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DE SÃO PAULO (GABINETE@AGRICULTURA.SP.GOV.BR);
*SECRETÁRIO DE ESTADO DA AGRICULTURA, ABASTECIMENTO, AQUICULTURA E PESCA DO ESPÍRITO SANTO (OCTACIANO.NETO@SEAG.ES.GOV.BR);
*SOCIÓLOGO E PESQUISADOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS (Z.NAVARRO@UOL.COM.BR)