A maldição da Copa de 2014 06/02/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
Em tempo recorde, após apenas dois anos em obras, o Estádio Municipal do Maracanã foi inaugurado em 16 de junho de 1950, com capacidade para 200 mil pessoas, ou 10% da população do Rio de Janeiro à época, para sediar os jogos de abertura e final do primeiro Mundial de Futebol no Brasil. Era chamado de “o maior do mundo” até 2014.
Demolido para a construção em seu lugar de uma arena dentro das especificações da entidade privada que promove os torneios, foi encolhido para 78.838 lugares, ao custo de R$ 1,346 bilhão.
Construído pela prefeitura, administrado pelo Estado e há três anos concedido a um consórcio formado pela empreiteira Odebrecht, pela empresa IMX, de Eike Batista – ambas investigadas por corrupção pela Operação Lava Jato –, e pela AEG, construtora e administradora de estádios com sede nos EUA, hoje está abandonado.
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Após emprestá-lo ao Comitê Organizador da Rio 2016 para abrigar a última partida e o espetáculo de encerramento da Olimpíada, o consórcio concessionário tenta devolvê-lo ao Estado.
Mas este não o aceita pela impossibilidade de uso para quaisquer fins: partidas de futebol ou espetáculos musicais.
Sem segurança, de lá foram roubados de televisores ao busto do jornalista que lhe emprestou o nome, Mário Filho. Já teve cortada a luz, que não foi paga.
Este é o caso mais notório, porque se trata da mais importante e famosa praça de esportes do País, mas não o único exemplo de fabuloso desperdício do erário a serviço da corrupção, da demagogia e do descaso com o dinheiro e com negócios públicos.
Reportagem de Gonçalo Júnior, publicada recentemente no Estadão, revela o desmantelo generalizado e o despautério do “legado” de uma Copa propagandeada como motivo de orgulho nacional e tornada o símbolo da má gestão, do superfaturamento das despesas e da falta generalizada de decoro.
Segundo Gonçalo Júnior, “as arenas ainda enfrentam um problema adicional visível pela televisão. Quando as partidas são realizadas, elas ficam vazias, pois são muito grandes para a realidade local.
No ano passado, 70% dos lugares da Copa ficaram desocupados. Sete dos 12 estádios tiveram ocupação menor do que 30%”.
Dessas arenas, três recorrem a estratégias para diminuir o prejuízo por causa do baixo número de partidas nos últimos dois anos.
A Arena Amazônia, em Manaus, não cobra aluguel dos jogos nela disputados, por faltarem aos clubes amazonenses mínimas condições financeiras.
O Estado não paga aos servidores que trabalham para a realização dos jogos.
Na final do campeonato amazonense de futebol, 1.574 pessoas deixaram em suas bilheterias uma renda de R$ 17.580.
Gestores da Arena Pantanal, em Cuiabá – que tem custo mensal médio de R$ 700 mil, fatura R$ 70 mil e registra, portanto, enormes prejuízos –, pedem socorro à CBF e ao governo federal.
Desde o ano passado, na Arena Mané Garrincha, em Brasília, só foram disputados três jogos pelo campeonato distrital.
A arena, que custou R$ 1,6 bilhão, a mais cara das novas praças desportivas, dá um prejuízo de R$ 500 mil por mês, mesmo economizando aluguel do governo, por alojar duas repartições do Distrito Federal.
Jaime Recena, secretário de Turismo distrital, ironiza as dificuldades para administrar a arena: “O nosso espaço é um elefante, mas não é branco, não. Ele está corado”.
Uma exceção é o Mineirão, onde foram arrecadados R$ 18 milhões em 43 jogos, um aumento de 35% na comparação de 2016 com 2015, com a exploração comercial de jogos e uso para shows musicais.
Outro caso típico dessas arenas é a do Corinthians, em Itaquera, sempre lotada em partidas do time da casa, que deve R$ 800 milhões à Odebrecht, que a construiu, e ao BNDES, banco público que a financiou.
A esperança dos gestores que não sabem o que fazer com as outras dez arenas, construídas a peso de ouro e sem uso algum, é interessar investidores privados por elas.
O exemplo do Maracanã, contudo, mostra que isso não passa de uma amarga ilusão.