Do passado não virá nada 08/02/2017
- FERNÃO LARA MESQUITA*
Na sua indigência de heróis, na sua ancestral ressaca de injustiças, o Brasil consola-se olhando obsessivamente para trás, procurando vingança mais do que esperando justiça.
A Lava Jato avança, mas por caminhos tortos, sempre com uma nota de arbitrariedade, sempre com prejuízo da segurança jurídica.
“Corrigem-se” provisoriamente pessoas selecionadas, mas não se corrigem instituições.
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O País faz força para se agarrar a essa esperança, mas não há no ambiente o brilho da iminência da chegada do novo nem qualquer indicação de que o Brasil que sairá dessa purgação será essencialmente melhor que o que entrou.
Mesmo assim a operação é mantida sob cerco.
Um por um, os divergentes vão sendo cooptados.
Ninguém ergue a mão contra Curitiba; “paga-se um mico” aqui e ali, mas os subornados e os subornandos da nova e da velha-guarda continuam tocando a vida exatamente como sempre, enquanto resistem molemente à Lava Jato, à espera de que se extinga pelo cansaço.
Poderia mais uma vez dar certo se só de pessoas se tratasse.
Mas desta vez é diferente. O caso é de vida ou morte. Tudo foi longe demais.
A crise não é financeira, é estrutural.
A economia continua em parafuso, a arrecadação continua em parafuso.
O caos a que o País se acostumou das muralhas do Estado para fora já invadiu o pátio desse último reduto da estabilidade, e continua a subir.
Só as torres do poder seguem incólumes, mas não por muito tempo.
Placebos e drogas paliativas, a sombria matemática de cada mês confirma, não fazem mais efeito.
Não há saída senão por ações muito concretas.
As reformas da Previdência e trabalhista são essenciais, mas não bastam.
O Brasil Oficial, obeso, não voltará a caber no Brasil Real, esquálido, senão passando por um regime de emagrecimento radical.
Custaria muito menos, aliás, do que se quer fazer crer.
Há tanta gordura sobrando nas camadas mais altas do poder que não faltaria muito a ser feito se apenas enquadrássemos esse segmento na lei.
A questão é que, se houve algo que esse pessoal fez com absoluta competência, foi tornar ilegal exigir-lhes respeito à lei.
Há um STF de boa vontade procurando saídas.
Foi o que repeliu com a figura jurídica do “desvio de finalidade” os dribles que Eduardo Cunha, primeiro, e Lula, quando nomeado para a Casa Civil como Moreira Franco agora, tentaram dar na lei.
Mas há também o outro que se encolhe para ministrar o mesmo remédio corporação adentro quando ela invoca a autonomia dos Poderes para multiplicar os próprios privilégios.
Ainda assim, ficou indicado um caminho.
Promover um grande “realinhamento de finalidades”; convocar um mutirão cívico-jurídico para limpar a Constituição com a própria Constituição, escoimando-a de tudo o que não sejam direitos válidos para todos, seria tarefa fácil para os grandes acrobatas do argumento que se sentam naquela Corte se houvesse vontade política para tanto.
Mas vontade política não se põe, se impõe.
O problema desta nossa “democracia” obsoleta é o mesmo da Roma de há mil anos: o completo desligamento dos representantes dos seus representados e a corrupção que esse distanciamento engendra.
A força da Nação já se provou irresistível.
Ela pode qualquer coisa que se decidir a fazer.
A rejeição a esse Brasil do passado, contra o qual tantas vezes marchou, é unânime, mas falta uma referência para dirigir todos os olhares para o futuro; algo sólido o bastante para merecer ser perseguido.
Pois essa referência existe.
As ferramentas de “democracia semidireta”, juntando o melhor de Atenas com o melhor de Roma, põem os pacientes das instituições urdidas pelos representantes eleitos em condições de levar-lhes, tantas vezes quantas entenderem necessário, “propostas às quais eles não possam resistir” para aperfeiçoá-las.
Inventado na Suíça nos meados do século 19 e transplantado para os Estados Unidos na virada para o 20, esse método de afinação compulsória de “vontades políticas” vem resgatando populações inteiras da opressão, da corrupção e da miséria há mais de 150 anos.
É o antibiótico das doenças políticas.
É graças a ele que funcionam as democracias que funcionam.
Compõe-se de três elementos simples.
O direito de convocar, por iniciativa popular, referendos de confirmação ou rejeição das leis aprovadas nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, o de formular e impor leis de iniciativa popular aos legisladores e o de recorrer livremente ao “recall” para impedir que representantes eleitos possam escolher deixar de ouvir seus eleitores depois de eleitos.
Esse sistema se aplica nos níveis municipal e estadual, mas, por assim dizer, “instrui” o nível federal.
Pressupõe o respeito ao princípio federativo que nossa Constituição prescreve, mas os políticos não acatam, segundo o qual o município deve resolver tudo o que diz respeito ao município, o governo estadual, só aquilo que envolver mais de um município e o governo federal, apenas e tão somente as relações internacionais, a proteção da moeda e a guerra.
Requer também que seja absolutamente claro quem representa quem na política estadual e municipal, o que se consegue com eleições distritais.
Cada distrito elege apenas um representante e, nele, o eleitor é rei.
Qualquer um pode iniciar uma petição para rejeitar ou criar uma lei, manter ou cassar o mandato do seu representante.
Nos EUA, com algo entre 5% e 7% dos eleitores do distrito assinando a petição, a iniciativa está qualificada para uma votação do distrito inteiro.
Nesse sistema, portanto, todo mundo tem o poder de propor mudanças e ser obrigatoriamente ouvido, mas ninguém tem poder suficiente para se impor aos demais.
Brasília é o passado. A corte é o pântano. Dali não sairão senão mais sapos.
O redirecionamento do olhar da Nação para um futuro em torno do qual se unir depende essencialmente do redirecionamento do olhar da imprensa do eterno “mais do mesmo” de Brasília para os modernos métodos de domesticar políticos em uso pelo mundo afora.