Biomas brasileiros – cultivar e cuidar 11/02/2017
- DOM ODILO SCHERER*
A Campanha da Fraternidade de 2017 abordará mais uma vez a questão ambiental, como já fez em diversas edições anteriores. O tema será “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”.
Não é difícil de concluir que a escolha do tema foi influenciada pela encíclica Laudato si’, do papa Francisco (2015), na qual o pontífice tratou do “cuidado da casa comum”, o planeta Terra, e exortou crentes e não crentes a abraçarem decididamente o zelo pela natureza, antes que ela se torne incapaz de hospedar e nutrir a vida e o convívio pacífico e fraterno da família humana.
Promovida a cada ano pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) durante o período da Quaresma, a Campanha da Fraternidade convida os cristãos a refletirem sobre as implicações éticas, sociais e políticas da sua fé em Deus.
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Aparentemente, o tema deste ano é abstrato e distante da religião, objeto de ocupação apenas para especialistas e ambientalistas de carteirinha.
Para a maioria das pessoas, talvez o conceito “bioma” seja até desconhecido. Trata-se de um ambiente da natureza que tem um conjunto de características próprias e hospeda diversas espécies vivas bem harmonizadas com esse ambiente.
A Campanha da Fraternidade 2017 se debruçará sobre quatro biomas brasileiros: Amazônia, caatinga, cerrado e Mata Atlântica. Naturalmente, há diversos outros menores, nada desprezíveis, como o pampa, o mangue, o pantanal.
E não se pode esquecer de que as metrópoles também formam biomas específicos, no que diz respeito à vida e ao cuidado que ela merece.
A própria natureza, por uma lógica interna, desenvolveu biomas ao longo dos tempos e a vida se adaptou às condições desses ambientes.
Animais, plantas e populações humanas originárias vivem em harmonia com esses biomas, gerando uma estreita interdependência, que condiciona a própria sobrevivência delas.
Todos os biomas brasileiros estão ameaçados e a principal ameaça é representada pela interferência indevida do homem neles.
A alteração nos diferentes ambientes da vida afeta diretamente os seres que neles vivem. Fala-se com frequência de espécies já extintas, ou em via de extinção; isso geralmente está relacionado com a alteração de fatores ambientais, ou com a intervenção direta do homem sobre essas espécies ou nesses ambientes.
Certas formas de manejo florestal, agricultura ou criação de gado, e mesmo de urbanização, podem produzir profundas alterações no delicado equilíbrio dos biomas.
Por motivos econômicos, a natureza acaba sendo vista como fonte de recursos disponíveis, sobre os quais o homem avança com a vontade de se apropriar, sem considerar as consequências presentes e futuras de sua intervenção no ambiente da vida.
A natureza ferida e desrespeitada pode voltar-se contra o próprio homem, que se torna a sua vítima.
A preparação e fundamentação da Campanha da Fraternidade de 2017 contou com a colaboração de cientistas e especialistas na área.
Por isso, além de proporcionar uma ampla reflexão no âmbito popular, ela também poderá desencadear novos estudos e reflexões de peritos nas diversas questões relacionadas com o cultivo e a preservação dos biomas, envolvendo antropólogos, educadores, sociólogos, economistas, políticos, gestores públicos e responsáveis pelo governo da “casa comum”, que nos abriga e sustenta.
Se é verdade que o equilíbrio dos biomas pode depender de fatores alheios à intervenção humana, também é inquestionável que o cuidado dos ambientes diferenciados da vida é responsabilidade de todos.
Um dos principais objetivos da Campanha da Fraternidade 2017 é o aprofundamento da consciência ética em relação à realidade ambiental brasileira, que merece cultivos e cuidados diferenciados.
Por isso se espera que a campanha, promovida amplamente nas comunidades da Igreja Católica, envolva também escolas, meios de comunicação, organizações populares e desencadeie ou fortaleça muitas iniciativas locais de cultivo e defesa dos ambientes da vida.
Disso não ficam dispensadas as populações urbanas, uma vez que muitos problemas ambientais estão concentrados nas cidades, sobretudo nas metrópoles, ou têm a sua origem nelas, como a poluição do ar e das águas.
A falta de saneamento básico causa inúmeros problemas ao “bioma urbano” e o ser humano é seu principal agente ativo e passivo.
Talvez, ainda assim, haja quem pergunte: por que motivo a Igreja Católica se preocupa com uma questão que não é propriamente religiosa?
E por que promove essa reflexão justamente no tempo da Quaresma, marcadamente religioso e cristão?
Bem, neste caso, é preciso considerar que a atitude religiosa decorrente da fé cristã não se expressa apenas em cultos, ritos, preces e exercícios propriamente espirituais.
A fé cristã integra todas as dimensões da vida e da ação humana e as realidades do mundo. Em tudo isso o cristão e toda pessoa religiosa põem à prova a coerência de sua fé em Deus.
A atitude religiosa, que verdadeiramente manifesta a fé em Deus e honra seu nome, envolve três relações: com Deus, e se expressa no reconhecimento a ele prestado; na nossa relação de respeito, justiça e amor ao próximo, que implica a solidariedade social e a promoção do bem comum; e na nossa relação com a natureza e o conjunto de seus bens, que são dádivas do Criador, feitas a todas as criaturas, como o papa Francisco nos recordou na encíclica Laudato si’.
Os biomas são ambientes e bens da casa comum, onde a vida se manifesta na variedade de sua beleza e grandiosidade.
Ao mesmo tempo, são espaços onde a família humana é chamada a conviver em fraternidade e em harmonia com as demais criaturas, dando graças ao “altíssimo, onipotente e bom Senhor”, louvando-o por todas as suas criaturas.