O que vai acontecer com a aids 13/02/2017
- *Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak*
Não somos futurólogos e na nossa já respeitável idade – um com 88, o outro já passou dos 70 – exercícios desse tipo têm a vantagem de muito provavelmente não ser seu resultado presenciado por quem os faz. Não seremos, pois, cobrados pelos muitos eventuais erros inerentes à arte das conjecturas.
Em relação à aids, tivemos a oportunidade de ver a doença nascer, no início da década de 1980, aqui, no Brasil.
Sabemos que a aids passou do chimpanzé para o homem no começo do século 20, ou até antes, na África; possivelmente pelo consumo do que os americanos chamam de bush meat, caça e esquartejamento de animais contaminados.
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A doença limitou-se a pequenas aldeias até três fatores se juntarem: a liberação sexual dos anos 60, as muitas guerras que levaram soldados de várias origens ao Congo, Angola e outras regiões conturbadas da África e a facilidade de deslocamento de pessoas por este mundo, porquanto não há nenhum local do planeta a mais de 24 horas de avião de qualquer outro.
Com isso a epidemia se espalhou, matou muita gente – fase que vivemos –, até que medicamentos eficientes foram sendo desenvolvidos, transformando a infecção pelos vírus HIV1 e HIV 2 em doenças controláveis, crônicas, não o horror de quando a epidemia principiou.
Presenciamos o início do controle da epidemia, muito na base de preservativos.
Funcionaram para quem tinha disciplina e informação para usá-los consistentemente, deixando descoberto grande número de pessoas que não tinham essas qualidades ou eram daquelas que gostam de arriscar.
O que realmente controlou de certa forma a epidemia foi o fato de que tratamentos eficientes, que baixam a carga viral do paciente a níveis muito baixos, também evitam a contaminação por contato sexual.
Temos cada vez mais remédios para o tratamento da infecção pelo HIV e esquemas melhores.
Com a quantidade de drogas de que dispomos hoje, atuando como inibidoras da transcriptase reversa, da protease, da integrase e da fixação do vírus nas células-alvo,
podemos tratar eficientemente a imensa maioria dos casos, incluindo os que já perderam resposta aos primeiros esquemas.
Parece claro que se o paciente consumir os remédios como deve e não for contaminado logo com um vírus resistente, ele não vai perder a resposta, embora realmente não esteja curado.
Se parar a utilização dos medicamentos, ele volta a ter o microrganismo circulando.
Há um único caso claramente documentado de cura, mas é excepcional: o de um doente que, além da infecção, tinha leucemia aguda e foi transplantado com células de doador não contendo geneticamente o receptor para o vírus, recuperando imunidade, sem evidência de presença do HIV.
Não é algo que possa ser feito para a massa de infectados.
Com o emprego em conjunto de medicamentos antivirais, incluindo os novos, é possível negativar a carga infectante de maneira radical.
Há também técnicas para fazer o reservatório de células que carrega o HIV no seu genoma ser estimulado a multiplicar-se, soltando-o, passando a ser acessível aos remédios.
Tais células podem ser mortas, de modo que ainda postulamos a possibilidade de algum dia se atingir a cura da infecção recorrendo apenas a medicamentos, de maneira provavelmente sequencial e, insistimos, por longo prazo.
Não vai ser barato, com certeza; isso nem existe ainda, estamos fazendo futurologia, mas achamos que é provável em futuro não tão remoto.
Quem sabe ainda a gente o veja.
Vacinas contra o vírus HIV estão sendo desenvolvidas.
Uma única mostrou eficiência, mas inadequada para preconização.
Todavia é um caminho e, quem sabe, num porvir que consideramos mais remoto haja vacina realmente virtuosa, talvez a única solução que vai permitir encerrar a epidemia.
O uso de anticorpos capazes de neutralizar os infectantes igualmente parece promissor, se bem que mais uma vez não pareça algo para benefício em massa.
Podemos imaginar meios baseados em conhecimentos de biologia molecular para emprego na HIV-virose.
O que se conhece hoje é que há reservatórios do vírus, em células linfoides, onde ele está incorporado ao DNA e silencioso.
Se ele não estiver totalmente desse modo, se estiver induzindo a formação ou de RNA mensageiro ou de alguma proteína, existem hoje técnicas que permitem produzir células linfoides capazes de matar as células que têm na sua superfície algum marcador.
Isso já é preconizado a propósito de leucemias linfoides. Se realmente o vírus recolhido está totalmente silencioso, maneiras de enviar à célula moléculas que reconheçam, se complexem e inativem o escudo causal podem ser cogitadas.
Claro que isso é um exercício de futurologia pura e nada neste momento existe.
Mas no futuro, quiçá servirá.
Técnicas já disponíveis, como a aplicação de antivirais para suprimir a infecção vertical, de mãe para filho, são realidade e desembaraçadas em nosso sistema de saúde para todas as grávidas que fazem avaliação pré-natal, com procura do HIV obrigatória.
Porém, em sendo no Brasil, nem toda mulher cumpre esse dever.
Como remédios preventivos, a profilaxia pré-exposição é satisfatória realidade e deveria ser mais disponível do que é no momento, pois há problemas logísticos e econômicos para que a difusão seja possível.
Mas é um caminho enquanto não temos a vacina.
Diante disso, nosso prognóstico é que a aids doença seja cada vez mais rara e incida nos mais marginais da população: drogadictos que nunca procuram assistência médica e os mais miseráveis dos miseráveis, com menos recursos e informação.
Se não houver mais educação robusta, deixaremos de conseguir impedir casos que poderiam ser evitados.
Este tema recorre quando analisamos se o Brasil tem futuro.
Para nós, com pouco dele pela frente, pela idade, podemos dizer que não veremos o País que sonhamos quando éramos moços, mas ainda assim, com todos os desastres no caminho, sentimos certeza que ele é melhor hoje do que era na problemática década de 1970.
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*Professores universitários, com especialização em clínicas de doenças infecciosas e parasitária.