O governo Temer subiu no telhado 24/02/2017
- BLOG DE RICARDO NOBLAT - O GLOBO
Para o presidente Michel Temer, a quarta-feira de cinzas chegou antes do carnaval. A Igreja Católica trata a quarta-feira de cinzas como um dia para lembrar a fragilidade da vida humana, sujeita à morte.
Temer está em ótima forma física. Quanto à saúde do seu governo, ela passou a inspirar sérios cuidados desde que o advogado José Yunes depôs à Procuradoria-Geral da República no último dia 14, em Brasília.
Amigo de Temer há mais de 40 anos, assessor especial dele na presidência da República, Yunes pediu demissão do cargo em dezembro passado depois de ter seu nome citado na delação de executivos da Odebrecht.
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Foi a propósito disso que ele se ofereceu espontaneamente para depor. O que contou, gravado em vídeo, compromete Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, e deixa Temer muito mal.
Segundo Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente da Odebrecht, em 2014, depois de um pedido pessoal de Temer a Marcelo Odebrecht, a empresa repassou R$ 10 milhões a pessoas da confiança do então vice-presidente.
O repasse foi em dinheiro vivo. Do total, de acordo com a delação, R$ 6 milhões irrigaram a campanha de Paulo Skaf, na época candidato do PMDB ao governo de São Paulo.
O pagamento do restante foi realizado “via Eliseu Padilha”, e um dos endereços de entrega do dinheiro teria sido o do escritório de advocacia de Yunes, no centro da capital paulista.
A revista VEJA revelou o caso em agosto do ano passado. Temer e Padilha disseram que houve um pedido de doação legal, realizada nos termos da lei eleitoral. Melo Filho manteve a versão de que foi repasse de propina.
Esta semana, em entrevista que a VEJA divulgou ontem à noite no seu site, Yunes reforçou a versão de Melo Filho. “Fui mula involuntária”, declarou, apresentando-se como um inocente útil nas mãos de Padilha.
De acordo com Yunes, Padilha entrou em contato para solicitar-lhe um favor em setembro de 2014, mês em que, segundo o delator da Odebrecht, parte da fatura dos 10 milhões de reais foi quitada. Fala, Yunes:
- Padilha me ligou falando: ‘Yunes, olha, eu poderia pedir para que uma pessoa deixasse um documento em seu escritório? Depois, outra pessoa vai pegar’. Eu disse que podia, porque tenho uma relação de partido e convivência política com ele.”
Horas depois, Yunes estava em seu escritório de advocacia em São Paulo quando, segundo ele, a secretária informou que “um tal de Lúcio” estava ali para deixar um documento.
- A pessoa se identificou como Lúcio Funaro. Era um sujeito falante e tal. Ele me disse: ‘Estamos trabalhando com os deputados. Estamos financiando 140 deputados’. Fiquei até assustado. Aí ele continuou: ‘Porque vamos fazer o Eduardo presidente da Casa’. Em seguida, perguntei a ele: ‘Que Eduardo?’. Ele me respondeu: ‘Eduardo Cunha’.
Só então caiu a ficha para Yunes. Funaro era ligado ao Eduardo Cunha. “Eu não sabia. Fui pesquisar no Google quem era Lúcio Funaro e vi a ficha dele”, relembra Yunes.
Preso pela Lava-Jato, Lúcio Bolonha Funaro, doleiro, fazia negócios para Cunha, hoje preso em Curitiba. A conversa entre Funaro e Yunes foi breve. Eis o relato de Yunes.
- Ele deixou o documento e foi embora. Não era um pacote grande. Mas não me lembro. Foi tudo tão rápido. Parecia um documento com um pouco mais de espessura. Mas não dava para saber o que tinha ali dentro. Depois disso, fui almoçar. Aí, veio a outra pessoa e levou o documento que estava com a minha secretária.
De acordo com a delação de Claudio Melo, um dos pagamentos destinados a Padilha “ocorreu entre 10 de agosto e o fim de setembro de 2014 na rua Capitão Francisco Padilha, 90, Jardim Europa”.
O endereço é a sede do escritório de advocacia José Yunes e Associados. A sala de Yunes fica localizada no 2º andar. O que mais Yunes revelou à VEJA:
- A delação do Claudio Melo fala que recebi R$ 4 milhões. Cá entre nós, R$ 4 milhões não caberiam num pacote, né? O que o Lúcio deixou foi um pacotinho. Não era um pacote grande. Foi tudo tão rápido. Parecia um documento com um pouco mais de espessura.
Na conversa entre Yunes e a VEJA, deu-se o seguinte diálogo:
- O ministro Eliseu Padilha diz que a história narrada pelo delator da Odebrecht jamais existiu. O que o senhor tem a dizer?
- Cada um com os seus valores (…). Tenho um apreço até pelo Padilha, porque ele ajuda muito o presidente. Mas não teria problema nenhum ele reconhecer que ligou para mim para entregar um documento, o que é verdade. Vamos ver o que ele vai falar. Estou louco para saber o que ele vai falar. Ele é uma boa figura. Mas, nesse caso, fiquei meio frustrado. Não sei. É tão simplório. É estranho, não é?
À VEJA, Padilha afirmou que não conhece Funaro. E que nada pediu a ele.
Em novembro, já preso, Cunha listou 41 perguntas a serem feitas a Temer, arrolado como sua testemunha de defesa. Entre as questões, estas: “Qual a relação de Vossa Excelência com o senhor José Yunes? O senhor José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?”.
Temer ainda não respondeu às perguntas.
Ontem à noite, procurado pelo repórter Guilherme Amado, do blog do jornalista Lauro Jardim, de O GLOBO, Yunes acrescentou que Temer sabia que Padilha o havia usado como “uma mula”.
- Contei tudo ao presidente em 2014. O meu amigo (Temer) sabe que é verdade isso. Ele não foi falar com o Padilha. O meu amigo reagiu com aquela serenidade de sempre (risos).
Yunes reuniu-se com Temer ontem à tarde no Palácio do Planalto. Não se sabe sobre o que conversaram. Mas àquela altura, Yunes já sabia que a VEJA publicaria sua entrevista na edição que, hoje, estará nas bancas.
O estrago que a entrevista causará na imagem do governo será muito grande. Por mais que Temer tenha dito que só afastará do cargo o ministro que tenha sido denunciado pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, a situação de Padilha se tornará insustentável.
Se ele não agir com rapidez livrando-se desde logo de Padilha, sua própria situação deverá ser duramente afetada.
Afinal, segundo Yunes, Temer foi informado por ele há mais de dois anos sobre como tudo se passou, não procurou Padilha para tratar do assunto e o nomeou ministro depois que assumiu a vaga da ex-presidente Dilma Rousseff.