Padilha quer voltar. Temer ainda não sabe o que fazer com ele 08/03/2017
- BLOG DE RICARDO NOBLAT
Aos 20 anos de idade, o poeta francês Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) já havia escrito 20 livros de poesia. É no poema “Canção da Mais Alta Torre” que estão seus dois versos mais famosos: “Por delicadeza, perdi a minha vida”.
Lembrei-me deles ontem à noite ao ouvir o presidente Michel Temer dizer que Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil, voltará ao Palácio do Planalto na próxima semana. Padilha recupera-se em Porto Alegre de uma operação de próstata.
Antes de baixar ao hospital, ele foi acusado pelo advogado José Yunes, amigo de Temer há mais de 40 anos, de tê-lo usado como “mula” para que recebesse em seu escritório um pacote entregue pelo doleiro Lúcio Funaro, hoje preso em Brasília por suspeita de corrupção.
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Um dos delatores da Odebrecht contou em delação premiada que Padilha foi o destinatário de parte do dinheiro de caixa dois doado pela empresa ao PMDB. Segundo o delator, o dinheiro costumava chegar a Padilha por meio de Yunes, assessor especial de Temer até dezembro último.
Ao que tudo indica, Padilha recuperará a saúde. Mas dificilmente recuperará as condições políticas para continuar no cargo. Ele pode não saber disso, mas Temer sabe, e sabem ministros e assessores que o cercam. Ocorre que Temer tem um problema que jamais conseguiu resolver.
Apesar de sua longa trajetória de homem público, ele não enfrenta com naturalidade a tarefa de ter que se afastar de um amigo. Por mais que o amigo tenha dado motivos para o afastamento. No caso de Padilha, além de amigo de Temer, ele é um executivo competente.
Atribui-se a Temer a demissão de Romero Jucá (PMDB-RR) do Ministério do Planejamento quando se tornou público seu comentário sobre a necessidade de se estancar “a sangria” provocada pela Lava Jato. Na verdade, Jucá saiu ao concluir que não poderia mais ficar.
Foi premiado por Temer com a função de líder do governo no Congresso. É Jucá que segue mandando no Ministério do Planejamento. Não foi Temer quem demitiu Geddel Vieira Lima da Secretaria do Governo depois que ele tentou suspender o embargo à construção de um prédio na Bahia.
Foi Geddel, pressionado por ministros e amigos, que se convenceu de que deveria deixar o governo. Temer quis fazer do seu amigo Antonio Mariz Ministro da Justiça. Não conseguiu. Mariz sempre foi um crítico da Lava Jato. Quis fazê-lo Ministro da Defesa. Não conseguiu.
Mais recentemente, convidou-o para ser Ministro da Justiça – aí foi Mariz quem não quis. Insistiu para que ele fosse cuidar no ministério do sistema carcerário nacional. Mariz preferiu seguir ganhando dinheiro como renomado advogado criminalista que é.
De volta a Padilha: se ele teimar em continuar na Casa Civil, o mais provável é que continue. O ideal para Temer seria que Padilha voltasse só para arrumar as gavetas e ir embora de uma vez. Mas isso dependerá mais de Padilha do que dele.
Por delicadeza, Temer corre o perigo de ver a Lava Jato instalar-se no Palácio do Planalto a poucos metros do seu gabinete.