Retrocesso político 02/12/2006
- O Estado de S.Paulo
Os brasileiros sérios poderão festejar e dar graças aos céus, se dentro de poucos anos a Sudene e a Sudam, recriadas pelo Congresso, não estiverem convertidas em cabides de emprego e de novo envolvidas em escândalos com dinheiro público. A ressurreição das duas entidades, aprovada pela Câmara dos Deputados na terça e na quarta-feira, é um retrocesso político. O Brasil não precisa de nenhuma das velhas superintendências para promover o crescimento econômico regional nem para elevar o padrão de vida nas áreas de menor desenvolvimento relativo.
Extintas em 2001, nenhuma delas fez falta nos últimos cinco anos. Podem ter tido alguma utilidade, há décadas, mas em pouco tempo foram postas a serviço de interesses de grupos e perderam qualquer valor estratégico para o Brasil.
Não há por que imaginá-las num papel diferente, nos próximos anos, especialmente depois da experiência do governo petista, quando as entidades da administração indireta foram submetidas, sem disfarce, à política do companheirismo e da barganha.
PUBLICIDADE
Se o aparelhamento e o empreguismo não grassaram de modo mais amplo, foi principalmente porque as privatizações haviam reduzido o campo de ação do fisiologismo e das nomeações políticas.
Além disso, uns poucos ministros foram capazes de resistir às indicações ditadas pelo critério do companheirismo. Mas não ficaram livres dessa praga as agências reguladoras, concebidas originalmente como órgãos técnicos de Estado e não de governo.
Se não se fez mais pelo desenvolvimento regional e pela redução das desigualdades, nos últimos anos, não foi por falta da Sudene, da Sudam e da Sudeco, mas pelas limitações do próprio governo federal.
As ações transformadoras foram empreendidas em parte pelos governos estaduais, com recurso freqüente à guerra fiscal para atração de investimentos privados. A União executou alguns programas assistenciais, voltados principalmente para atenuar a pobreza, mas pouco investiu em obras de infra-estrutura. O pouco dinheiro disponível no Orçamento federal foi em parte desperdiçado com programas paroquiais, em geral sem relação com planos dignos desse nome.
O Ministério da Integração Regional divulgou em agosto de 2005 um documento intitulado Política Nacional de Desenvolvimento Regional. O trabalho, com 58 páginas de texto e de mapas, é apresentado como contribuição “modesta” ao esforço de superação das desigualdades entre regiões.
O resultado é de fato modesto, mas o trabalho é realista pelo menos num ponto: a política de desenvolvimento regional, segundo o texto, tem de ser nacional, cabendo ao governo federal, com envolvimento de vários Ministérios, um papel estratégico em sua concepção e implementação. “Mesmo a ativação dos potenciais de desenvolvimento das regiões e a exploração das diversidades devem se fazer desde a União, tendo por referência o quadro objetivo das desigualdades, sob pena de obtenção de resultados contraditórios aos almejados”, segundo o documento.
Na parte substantiva, esse documento não vai além de um exame muito amplo de como têm evoluído as características econômicas e sociais, de regiões e sub-regiões, sem chegar a uma formulação de ações específicas.
Versões preliminares de planos mais detalhados para o Nordeste, a Amazônia e o Centro-Oeste foram apresentadas neste ano, para discussão, mas não há notícia de nenhum debate sério sobre as propostas. As eleições, dirão alguns, desviaram as atenções e por isso não se deu atenção a esses documentos. Cada um é livre para acreditar ou não nessa desculpa.
Não faltou tempo aos políticos para cuidar da recriação da Sudene e da Sudam, que oferecem muito mais atrativos que o penoso trabalho de examinar e debater publicamente centenas de páginas de propostas técnicas.
Não há razão para supor que as agências criadas para substituir a Sudene, a Sudam e a Sudeco sejam insuficientes para coordenar as ações de desenvolvimento regional. Mas é fácil imaginar fortes motivos para que políticos desejem a ressurreição daquelas superintendências, uma promessa de campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.