O cigarrinho de outrora 16/04/2017
- ANALICE GIGLIOTTI*
Em época de informações instantâneas, debates rasos e de um clamor pela legalização da maconha, segmentos da sociedade e os jovens em especial, curiosos por natureza, reúnem argumentos a favor da droga.
Soma-se a isso a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso de que a legalização da maconha, e depois de outras drogas, seria um caminho para atenuar a crise no sistema penitenciário pelo desmonte do tráfico.
Precisamos, sim, discutir uma nova política de drogas, mas não sem atentar aos dados estatísticos.
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Nos Estados Unidos, em 1993, o uso diário de maconha no colegial foi de 2,4%.
À medida que políticas liberalizantes foram implementadas, a percepção de risco caiu, elevando o consumo diário para 6,5% em 2012.
No Uruguai, ele saltou de 4 % em 2009 para 7% em 2014.
A maconha, segundo a World Drug Report 2016, foi a droga mais consumida nos últimos anos.
Há hoje quase um consenso — equivocado — no Brasil de que a cannabis não faz mal.
O cigarro também não era considerado pernicioso e, com o aumento da informação, viu-se como é destrutivo.
Será que a maconha vai percorrer a mesma via crucis para, enfim, reconsiderarmos o ponto de vista?
Os adolescentes são as maiores vítimas.
Quanto mais precoce o contato com a droga, maior o risco de dependência (em até metade dos usuários), a chance de envolvimento com outras drogas, depressão, psicose, ataques de pânico, esquizofrenia e decréscimo de pontos no QI com prejuízo ao desempenho escolar — o que aumenta a probabilidade de ficarem desempregados e desmotivados na vida adulta.
E a "maconha medicinal"?
Em estados americanos onde foi liberada, a taxa de abuso ou dependência da droga foi 1,9 vez maior.
Em Washington, dobrou o número de acidentes de trânsito com condutores usuários.
O ministro aposta na legalização sob o olhar da segurança.
Mas não há evidência sólida de que tal medida seja eficaz.
Pelo contrário, a polícia uruguaia acaba de admitir que a legalização da droga não reduziu o tráfico.
Além do mais, estamos em um país de dimensões continentais, onde a taxa de adesão a regras é baixa.
Não se consegue nem controlar a venda de cigarros e bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.
Não há um sistema de saúde pública capaz de lidar com o impacto de mais usuários.
Os poucos centros de tratamento ficarão abarrotados e funcionarão como portas giratórias.
Eu me tornaria, então, sócia dos vendedores legais de droga e ficaria com minha clínica lotada de pacientes que apelarão ao sistema privado.
Devemos introduzir no debate a responsabilidade com a vida das pessoas.
Essa atenção não se dará puxando o cobertor da saúde para supostamente cobrir uma necessidade de superlotação de presídios.
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*Psiquiatra especialista em dependência química e diretora da Espaço Clif.