O caos dentro do caos 07/12/2006
- O Estado de S.Paulo
Dizem os pilotos veteranos que os acidentes aéreos nunca têm uma única causa - são resultado de uma conjugação de fatores - e que os incidentes envolvendo a aviação nunca ocorrem isoladamente - ao primeiro sucedem-se outros. Não há nisso fatalismo ou superstição. A aviação compreende a operação de sistemas complexos e interativos e qualquer falha, mecânica ou humana - mesmo insignificante, se considerada isoladamente -, tende a assumir proporções inusitadas ou a se multiplicar.
O acidente com o Boeing da Gol mostrou que o sistema brasileiro de proteção ao vôo tem problemas - e problemas graves, que começam com o funcionamento de equipamentos de rádio e radar, passam pelo comportamento sindical dos controladores de vôo, inclusive os militares, e desemboca na incapacidade do Ministério da Defesa de prevenir e administrar situações críticas.
Desde meados de outubro, quando os controladores começaram a fazer a greve branca, reina o caos nos aeroportos brasileiros. Os passageiros não sabem quantas horas os seus vôos vão atrasar nem têm garantias de que não serão cancelados após longas esperas. Mas nessa terça-feira houve o caos dentro do caos.
PUBLICIDADE
Uma pane no sistema de rádio que liga os centros de controle aos aviões provocou o fechamento de pelo menos três dos mais movimentados aeroportos do País, além do atraso e o cancelamento de vôos em todo o território nacional.
O sistema de rádio, centralizado em Brasília, apresentou falhas logo pela manhã. Sete das 20 freqüências de rádio deixaram de funcionar. No começo da tarde, todas as freqüências estavam mudas. A partir de então, os aviões que estavam no ar receberam instruções, por meio de sistemas auxiliares de rádio, para pousar no aeroporto mais próximo.
De início as autoridades aeronáuticas suspeitaram que a pane era resultado de sabotagem e acionaram a Polícia Federal. Essa hipótese foi logo descartada pelos policiais.
Para os milhares de passageiros que sofreram com atrasos e cancelamentos - houve quem levasse mais de 10 horas para completar o percurso Rio-São Paulo, que demora normalmente 35 minutos, e quem tivesse de pernoitar em cidades que não estavam em seus roteiros -, pouco importa se houve sabotagem ou falha técnica. O fato é que pagam as taxas aeroportuárias mais caras do mundo - que incluem o custeio do auxílio à navegação e da proteção ao vôo - e há semanas são joguete de associações de controladores de vôo que têm reivindicações trabalhistas ou sofrem a conseqüência da imprevidência das autoridades.
Foi preciso que houvesse um trágico acidente para que os usuários dos transportes aéreos - que sempre foram informados de que o Brasil tem um dos mais seguros sistemas de proteção ao vôo do mundo - soubessem que existem vários pontos negros nas interseções das coberturas de radar. O que não sabem é se o Ministério da Defesa - que alega dispor de verbas para todas as necessidades no setor - vai comprar novos equipamentos e redirecionar a rede de radares, para cobrir esses pontos negros.
Esses mesmos passageiros ficaram sabendo, da pior maneira possível, que o sistema de rádio - essencial para as operações aéreas - não tem redundância, ou seja, não é duplicado. Ninguém foi informado, até terça-feira, de que o governo, que exige que todos os aviões que operam no País tenham instrumentos de navegação redundantes, como medida de segurança, não exige o mesmo do órgão incumbido de zelar pela segurança de todos. Disso só se soube porque, numa reunião de emergência realizada no Palácio do Planalto, o presidente da República determinou a compra imediata de um sistema idêntico ao do centro de controle de Brasília, para ser instalado em São Paulo.
O governo não sabe o que fazer para resolver a crise nos aeroportos - e a evidência disso está no patético diálogo, transcrito no Estado de ontem, entre a deputada Maria Ângela Duarte (PT), uma das vítimas do caos, e o ministro Waldir Pires. O caos se instalou, a indústria do transporte aéreo e a economia nacional estão sofrendo prejuízos enormes e os passageiros estão sendo sacrificados. Enquanto isso, o governo constitui comissões para fazer o diagnóstico de um problema cujas causas e soluções até os carregadores de mala de Congonhas conhecem.