Com a lanterna na proa do desenvolvimento 20/04/2017
- ERNESTO LOZARDO*
Roberto Campos foi um ilustre brasileiro, admirado por muitos dentro e fora do Brasil. Uma pessoa modesta e gentil no trato pessoal, porém com refinado senso de humor e sofisticado modo de pensar. Um economista respeitado e dotado de sólida formação humanista. Manteve coerência ímpar nas suas proposições voltadas ao progresso material da sociedade, à melhoria do capital humano e à erradicação da pobreza. A emancipação do Brasil, transformando-o numa nação próspera, foi o centro das suas preocupações.
Tudo o que absorveu de conhecimento no processo de evolução dos países mais avançados ele procurou traduzir para as realidades institucionais brasileiras. Dominava as teorias de desenvolvimento como poucos da sua época e tinha visão crítica acerca das limitações dessas teorias para os países emergentes.
Há economistas que procuram reduzir a importância do economista Roberto Campos pelo fato de não ter publicado livros de natureza acadêmica, como se esse feito fosse o passaporte para se sentar à mesa dos sábios. Suas análises sempre estavam direcionadas a encontrar uma solução, uma porta de saída do subdesenvolvimento econômico e social brasileiro. Mário Henrique Simonsen soube defini-lo com muita lucidez: “Roberto Campos é um filósofo do pragmatismo”.
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Suas análises acadêmicas deram-se nas décadas de 1950 e 1970, e sempre propositivas. Ao estudar a natureza das suas pesquisas, há clara e gradual alteração nas suas proposições no tocante ao desenvolvimento econômico brasileiro. Ocorreram mudanças tanto na realidade socioeconômica brasileira – queda da taxa de fecundidade da mulher brasileira e aumento do envelhecimento populacional – como na conjuntura internacional, com o surgimento dos blocos econômicos regionais.
Nos anos de 1950 e 1960, deu-se um dos mais profícuos debates sobre desenvolvimento econômico da América Latina. Campos sempre se manteve cético em relação às proposições desenvolvimentistas da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), conhecidas como estruturalistas, que tinham como política a industrialização por meio da substituição das importações. Apregoava-se realizar a industrialização da região para escapar da dependência das commodities e avançar nas exportações de bens manufaturados, criando vantagens comparativas satisfatórias.
A incredulidade de Campos estava nas condições das propostas, porém não discordava do conteúdo da política de industrialização. No seu pensar, o sucesso do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos baseava-se em três pilares: equilíbrio fiscal e ordem monetária, pois assim se evitaria a inflação proveniente de governos gastadores; sólidas instituições econômicas, que pudessem assegurar um mínimo de racionalidade econômica no funcionamento dos mercados; e abertura comercial para estimular a modernidade e a competitividade de todos os setores produtivos.
Campos sempre alertou que a abertura econômica não é uma panaceia, mas um fator determinante na elevação da competitividade e da produtividade econômica, que beneficia os setores potencialmente mais competitivos. A abertura econômica pode gerar desemprego e estagnação econômica nos setores menos competitivos.
Para tanto, alertava, era necessário ter equilíbrio orçamentário para que a política de desenvolvimento possa ter recursos fiscais para investir em setores pouco competitivos, investir na educação básica e profissionalizante, eliminando, no tempo, as defasagens tecnológicas dos setores mais atrasados.
No fim deste processo se elevariam os índices de competitividade de todos os setores e se reduziriam as desigualdades sociais, por meio da elevação dos salários com base na produtividade do trabalhador, promovendo, assim, a produtividade de todos os agentes produtivos da nação.
Nesse sentido, o apelo pelo protecionismo comercial é fruto da perene irresponsabilidade fiscal dos governos. A miopia ideológica latino-americana não alcançou esse entendimento e optou por rotulá-lo como monetarista, o que não procede.
Embora não desejasse ser ministro do governo de Castelo Branco, pois almejava iniciar sua carreira na iniciativa privada, Campos aceitou e teve carta branca do presidente. Assim fez valer seus pressupostos desenvolvimentistas liberais. Reformulou a natureza do crescimento.
Para tanto, era necessário fundar instituições críveis que assegurassem o crescimento e a eficiente alocação de recursos produtivos, adotando, inicialmente, forte controle sobre os gastos públicos para que a inflação não voltasse a ser de origem monetária.
Desenvolveu dois dos mais célebres programas de desenvolvimento nacional: o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg) e o Plano Decenal de Desenvolvimento.
Há quem atribua a criação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – anteriormente, Epea – ao ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, mas essa obra foi de Roberto Campos. Reis Velloso, quando ministro do Planejamento, mudou o nome de Epea para Ipea, foi o coordenador do projeto Paeg e do Plano Decenal.
O primeiro presidente do Epea foi Victor da Silva Alves Filho, ex-funcionário do BID. De modo análogo, originalmente o BNDES era BNDE, que passou a ter mais atribuições sociais. Nem por isso mudou-se a paternidade do banco.
Campos foi um dos principais responsáveis pela criação do BNDES, do Banco Central, do FGTS e da correção monetária. Fez as reformas financeira, administrativa, fiscal, trabalhista, salarial e cambial, bem como modernizou a remessa de lucros para o exterior e criou o BNH.
O Brasil estava pronto para dar a arrancada do crescimento com baixo nível de inflação. Foi o que se concretizou no governo de Costa e Silva, sob o comando do ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto.
O restante transformou-se em história exitosa desses dois valorosos homens públicos.
Campos foi e continua sendo um brasileiro que inspirou muitos na sua forma de amar e querer o melhor para o Brasil.