Faca no peito 29/04/2017
- Adriana Fernandes - O Estado de S.Paulo
É cedo para o Palácio do Planalto e as lideranças governistas subestimarem o poder de mobilização da greve geral e dos protestos contra a reforma da Previdência na intenção de votos dos deputados.
Mas o que já é certo é que as manifestações conseguiram aumentar a pressão por uma nova onda de exigências de setores específicos que têm conseguido apoio parlamentar para travarem uma queda de braço sem fim com o governo.
Boa parte dessas exigências tem pouca ou nenhuma relação com a Proposta de Emenda à Constituição enviada ao Congresso. Mesmo assim, as corporações têm conseguido êxito.
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Assim, o discurso antirreformista tem servido para aumentar o valor das barganhas num cenário em que ainda faltam muitos votos para aprovação da Previdência no plenário.
Depois de várias mudanças significativas no texto original, a reforma da Previdência agora entrou definitivamente em outro patamar de negociação com demandas “cruzadas”. Um terreno ainda mais perigoso.
Como definiu um dos negociadores, a “faca está no peito” do governo.
Na busca de votos, os acordos nos bastidores não mais se restringem à flexibilização das regras de aposentadoria dos trabalhadores.
Tudo está entrando no balaio da reforma e a fatura ficando cada vez mais alta.
Refém dos votos e com o temor de os protestos desta sexta-feira se espalharem nos próximos semanas, abalando o andamento da reforma no Congresso, o presidente Michel Temer continua cedendo.
É que o aconteceu com os pilotos e comissários de voo que ameaçaram paralisar os aeroportos e devem conseguir regras especiais mais flexíveis para a aposentadoria.
Os aeronautas representam um grupo pequeno diante das demais categorias de trabalhadores da iniciativa privada, mas mostraram a sua força na véspera da greve geral de ontem.
Um precedente que, se aceito, abre brechas para que outras categorias peçam também exceções.
Antevendo riscos, é o próprio governo que tem chamado para conversar.
Em muitos casos, o presidente tem entrado em campo diretamente para negociar.
Foi o que aconteceu com os representantes da bancada ruralista, que querem dar fim ao Funrural com o perdão da contribuição que deixou de ser paga nos últimos anos.
Uma anistia que não se justifica justamente porque o Supremo Tribunal Federal declarou há um mês constitucional a cobrança.
O presidente prometeu solucionar o impasse do setor agrícola, uma das forças mais organizadas no Congresso, com a edição de uma Medida Provisória a contragosto da equipe econômica, que agora busca mitigar o prejuízo para a arrecadação.
No toma lá dá cá, também há promessas de parcelamento dos débitos previdenciários das prefeituras e uma redistribuição de recursos do Fundeb.
Sem falar que o relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) está longe de ser consolidado, como relatam reservadamente muitas lideranças governistas.
O adiamento da votação da reforma, após o erro da liderança governista de fechar um acordo com a oposição para votar a proposta na comissão especial um dia após os protestos previstos para o Dia do Trabalhador, dá mais tempo para o governo acomodar as demandas em torno do mapa de votação.
Como voto significa mais negociação, a estratégia envolve cargos, liberação de emendas voluntárias, aceno aos prefeitos e fortalecimento de determinadas estatais em algumas regiões.
O anúncio de reforma ministerial ficará para depois para não melindrar com antecedência os parlamentares. Mas ela também já está em andamento e sendo desenhada nas negociações da reforma.
O que o governo sabe é que não pode deixar esse tempo de organização dos votos cozinhar muito tempo.
Uma porta aberta para novas barganhas.
Seria uma desastre para o País aprovar uma reforma a um custo tão alto e com a manutenção de tantos privilégios.