Em todo o debate, que prossegue, sobre o projeto de lei aprovado no Senado sobre “abuso de autoridade", o menos importante é o abuso de autoridade.
Ninguém discute que se trata de um assunto relevante em qualquer democracia conter o poder do agente público, ainda mais numa sociedade de longa tradição de esmagamento da sociedade pelo Estado e seus representantes.
Mas o que está em questão nesta proposta de lei é a Lava-Jato, o real motivo da tramitação da proposta.
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Importante é não deixar de registrar para os arquivos da História que não é por acaso que quem assina este projeto é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos principais políticos atingidos pela Lava-Jato e réu em pelo menos um processo no Supremo, embora este sem relação com a maior devassa anticorrupção em curso no mundo. Citado nas delações da Odebrecht, porém, Renan ainda poderá ser incluído no rol de réus devido à operação.
Também não é coincidência que o relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado tenha sido o também peemedebista Roberto Requião (PR), aliado do PT, defensor de Dilma no processo de impeachment, e da tropa de apoio a Lula. Por sinal, Renan, à medida que os ventos passaram a soprar contra ele no plano jurídico, foi-se afastando do governo Temer, enquanto acenava para Lula. Como forma de melhorar os maus prognósticos eleitorais dele e do filho, governador de Alagoas, estado em que o lulopetismo ainda conta.
Estavam claras a inoportunidade e a inadequação de um investigado pela Lava-Jato, autor de críticas públicas a procuradores e juízes, e presidente do Senado — cargo que desocupou em janeiro —, envolver-se em um projeto de lei que, na versão original, era evidente e inconstitucional obstáculo à Justiça, ao Ministério Público e a outros organismos do Estado em ações contra a corrupção patrocinada por políticos de alta graduação. Seria a negação da República, em que todos têm de ser iguais perante a lei. Com o projeto de Renan/Requião, não seriam.
A intenção de criar o crime de hermenêutico, o dolo na interpretação da lei por juízes, procuradores, e, por extensão, os demais agentes públicos, é algo que remete a ditaduras que se disfarçam de “democracias”.
Tentar esta manobra quando, só das delações da Odebrecht resultaram mais de 70 inquéritos para investigar políticos com mandato, inclusive Renan, foi, no mínimo, uma inconveniência. E ainda virão as delações de outras empreiteiras.
No Senado, evitou-se a aprovação do atropelamento da independência do juiz e do procurador, passíveis de denúncia criminal se contrariassem réus e suspeitos. Emendas aceitas por Requião, depois de intensa negociação, mascararam o objetivo dos políticos da Lava-Jato. Um deles, inviabilizar o instrumento da delação premiada. A força-tarefa de Curitiba continua em campo, e o projeto irá para a Câmara. As escaramuças continuarão.