Clodovil chega ao Congresso 16/12/2006
- Hugo Marques - revista ISTOÉ:
Sagaz e ferino, o estilista vai a Brasília demarcar seu novo território, abre o coração e decide doar o salário de deputado a uma instituição para as
meninas de rua, a Casa Clô
Clodovil Hernandes voou para Brasília. Tratando-se de um estilista de sucesso, homossexual assumido, fenômeno nacional de popularidade graças à língua afiada e à capacidade para arrumar confusão, esse ato de rotina se reverte como um acontecimento extraordinário. Eleito deputado federal por São Paulo com 493 mil votos, Clodovil esteve em Brasília para vistoriar seu novo habitat. Circulou pelo Congresso, conheceu o futuro gabinete, escalou assessores. Almoçou às gargalhadas no Piantella, reduto dos políticos, e fechou a noite no restaurante Zôo, templo dos descolados.
Dormiu no Blue Tree, onde o Itamaraty instala chefes de Estado. Agora, recolhido à solidão de sua casa de Ubatuba, no litoral paulista, prepara em silêncio seu projeto político. Ele promete provocar impacto. De cara, avisa que não entrou para o Parlamento para brincar de figurante. Nem para brilhar com seu lado folclórico. Quer ser um político respeitado por seus atos e idéias. “O meu objetivo, minha sina, meu carma é mudar a política brasileira”, anuncia. “Vou trabalhar em projetos sociais e para derrubar privilégios.”
Aos 70 anos e com um patrimônio declarado de R$ 1,8 milhão, Clodovil anuncia
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que vai abrir mão de todo o seu salário de deputado federal para distribuí-lo em obras sociais. Sua idéia é abrir, já no início de 2007, a Casa Clô, uma instituição
para abrigar meninas de rua e dar-lhes profissão. A primeira será na capital paulista. “Quero levar a Casa Clô para as principais cidades de São Paulo e depois do
País”, explica. A instituição vai ensinar às meninas cursos de culinária, manicure, costureira e cabeleireira. “A menina complicada não é a menina de rua, que não tem família”, diz ele. “A problemática é aquela que não pára em casa, que não gosta de estar com a família porque sente vergonha da pobreza.” Além do salário de deputado, ele pretende arrecadar mais dinheiro para a instituição popularizando a venda de seus desenhos de moda. “Vou vender aquarelas até por um real”, afirma, transbordando vigor.
Clodovil conta ter tido um insight à noite, um raio de luz repentino que o guiou para a política. Logo, pensou no que faria quando aterrissasse na capital. “Pretendo fazer um grande mandato”, profetizou na sua primeira visita. Sua primeira missão foi a de idealizar um gabinete competente. Pediu um assessor ao deputado Celso Russomano, veterano no Congresso, para ajudar a recrutar as pessoas certas. Sem apadrinhamento, só técnicos competentes. Foi aconselhado a estudar o regimento da casa. Escutou tudo calado. O deputado Clodovil quer dividir seu trabalho de político com uma estréia na rede de televisão CNT. Está acertando detalhes do programa, que será gravado em Brasília e São Paulo. Vai falar sobre moda, culinária e tendências. E sobre política, em especial sua atuação no Congresso. “Um cara com a experiência e a inteligência aguda de Clodovil, ainda mais com imunidade parlamentar, vai ser polêmica pura”, diz o diretor da CNT em Brasília, Marcelo Amaral. “Ele será a voz da mudança na política.”
Mesmo na política, Clodovil avisa que vai continuar explorando a arte que ele melhor domina – a polêmica. Mas, se escorregar no folclore, será de caso pensado. “A decoração do meu gabinete vai ser uma imitação de crocodilo”, avisa. “É ecológico”, ironiza. Ele vai trabalhar no gabinete 422, hoje ocupado pelo deputado (não reeleito) Milton Barbosa, do PFL baiano. Além dos projetos sociais, Clodovil acha que poderá aproximar o povo do poder. “As pessoas não podem mais ter medo de política”, diz. “O poder pode ser amado.” Falando sério, desfraldado dos trejeitos afetados, uma capa de proteção que invoca para desconcertar os interlocutores, Clodovil é assim. Uma mente sagaz, uma personalidade sensível. A grande questão que sempre lhe perguntam é se vai usar o mandato para defender os homossexuais e o casamento gay. Desde que foi eleito, ele vem avisando que vai transcender a questão. Mas não aceita o fundamentalismo de grupos religiosos que condenam o homossexualismo. “No mundo que as igrejas vendem, Deus é rancoroso, é bravo, é castigo”, lembra. “Imagina, isso não existe, Deus aceita todos.”
Os amigos de Clodovil acham que o estilista vai dar muito trabalho às velhas raposas da política que transitam pelo Congresso Nacional. O publicitário Ruy Nogueira é amigo há vários anos. “Ele é uma das pessoas mais brilhantes que conheço”, diz Ruy. “Vai dar trabalho.” Clodovil se elegeu sem pedir votos nas periferias de São Paulo. Não fez passeatas nem carreatas. Só pediu votos na televisão, que domina bem. Ele não pediu votos nem aos amigos mais ricos,
como Iara Baumgart e Ivan Zurita, presidente da Nestlé. Um amigo de Clodovil aponta para o que ele acha ser um defeito do estilista. Para ele, Clodovil sempre cuidou de criar pedras no próprio caminho, seja brigando com as direções de emissoras de televisão por onde passou, seja mesmo torrando boa parte da
fortuna em bingos, como no final da década passada. A ver se, agora, ele
aprende a construir um caminho.