PPPs - Caso exemplar de má gestão 19/12/2006
- O Estado de S.Paulo
O bate-cabeça no Planalto sobre o que fazer para impulsionar a economia justifica os temores de que o pacote desenvolvimentista a ser anunciado depois de amanhã pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, passará ao largo do que efetivamente precisa ser feito para destravar a capacidade de investimento do governo - as corajosas mudanças no padrão do gasto público de que o presidente Lula não quer ouvir falar. Não é só isso, porém, que autoriza prever mais quatro anos de sofrível desempenho econômico. A recusa de ir ao fundo da questão fiscal do Estado se combina perversamente com outro traço constitutivo da administração lulista - a incompetência para passar dos projetos às obras em ritmo compatível com as necessidades do País, mesmo depois que aqueles estão selecionados.
Caso exemplar da má qualidade da gestão do governo está na reportagem publicada segunda-feira neste jornal sobre a letargia que acomete as Parcerias Público-Privadas (PPPs) na esfera federal. Como se recorda, o governo armou um verdadeiro carnaval em torno da iniciativa, destinada a contornar as severas limitações de recursos do Estado para reabilitar e ampliar a infra-estrutura nacional de transporte, em estado de progressivo sucateamento. O público externo ficou convencido de que esse ovo de Colombo permitiria modernizar em tempo recorde a malha rodoferroviária do País quando se divulgou, em dezembro de 2003, a existência de uma carteira com 23 empreendimentos a serem tocados a tempo e hora. Passados 3 anos, nenhum deles saiu do papel.
O projeto mais adiantado, o da BR-116, no trecho Bahia-Minas, não foi além da fase de estudos de viabilidade e modelagem. Nesse ritmo, dêem-se por satisfeitos os agentes econômicos se a cada ano se concretizar uma única parceria. E não se diga que a demora é da natureza do esquema, com o seu emaranhado de problemas técnicos, legais e de procedimento. Nos Estados, as PPPs funcionam. O contrato de parceria para a Linha 4 do Metrô de São Paulo foi assinado em fins de novembro. Em Minas, a Rodovia MG-050 acaba de ser licitada. Na Bahia, já foi lançado o edital para o emissário submarino de Salvador, e outros estudos caminham com rapidez.
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A distância entre o palavrório do presidente e a paralisia do processo de decisão pode ser entrevista em um caso da maior importância. Trata-se da Ferrovia Norte-Sul, o prometido corredor de exportação cujas obras seriam as primeiras a ser executadas de acordo com o novo modelo de associação entre o setor estatal e o particular. Estudos posteriores, no entanto, concluíram que o empreendimento poderia ser tocado pelo sistema convencional de concessões, pois o retorno previsto do capital investido era suficiente para atrair a iniciativa privada, dispensando a associação com o Estado. O leilão para a outorga da concessão foi marcado e adiado - nada menos de três vezes. Não se tem a menor idéia de qual será a nova data.
Também no caso de outra obra retirada das PPPs, a BR-163, Cuiabá-Santarém, cuja pavimentação se faria apenas com recursos federais, o assunto está no limbo. E não se trata de uma estrada qualquer: com 1.200 km de extensão, beneficiará a exportação de produtos da Região Norte e o escoamento das safras do Centro-Oeste. As autoridades, como sempre, se eximem. O presidente do BNDES, Demian Fiocca, responsabiliza o excesso de controles a que estaria submetido o mecanismo, envolvendo, entre outras entidades, o Tribunal de Contas e o Ministério Público. Por isso, segundo ele, um processo de licitação que deveria demorar três meses acaba levando mais que o dobro disso. O presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura (Abdib), Paulo Godoy, estranha. Para ele, uma PPP “não foge muito” de uma concessão.
A questão fica um tanto menos nebulosa quando se vai além da superfície. A reportagem do Estado identificou um estorvo de natureza política: o governo Lula está dividido entre os que sabem ser imprescindíveis as parcerias e os que insistem em rejeitá-las, por aversão à economia de mercado. A exemplo do que ocorre em outras esferas do governo, estes últimos desenvolvem eficientes ações de retaguarda para que nada mude. Pouco lhes importam as conseqüências para a economia, tolhida pelas mazelas que se perpetuam.