Pós-verdade, factoides e eleições 02/06/2017
- MURILLO DE ARAGÃO*
A disseminação de notícias falsas com fins políticos não é um fenômeno novo. A antiga “imprensa marrom” já tratava de denegrir a imagem de uns e outros em jornais e revistas. O poder de denegrir ou incensar imagens sempre foi valorizado, daí sempre ter existido uma associação íntima entre poder constituído e imprensa.
Não à toa, no Brasil muitos donos de veículos de comunicação viraram políticos e muitos políticos viraram donos de veículos de comunicação. Era o poder da mídia alavancando candidaturas e/ou a serviço da verdade personalizada de seu político-dono.
Assim, ao abordar o tema nos dias de hoje, devemos olhar o passado e ver o que ele tem a nos ensinar. E considerar que o problema agora é mais sério porque mais intenso, uma vez que a internet e as redes sociais expandiram o horizonte de circulação das informações a níveis impensáveis décadas atrás.
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Indo direto ao ponto, sabemos que o Facebook, por exemplo, foi essencial para a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a do Brexit, no Reino Unido. Sabemos também que as redes sociais impulsionaram boatos, factoides, mentiras e pós-verdades de forma avassaladora em ambas as campanhas.
Sabemos, ainda, que serviços como Google, Amazon, Spotify, Netflix e YouTube, entre outros, têm como descobrir nossos gostos e preferências. Sabem onde moramos e sabem como personalizar os anúncios que vemos quando vamos aos sites de notícias ou de compras. Assim, podem saber o que queremos ler ou escutar. E até mesmo deduzir a tendência do nosso voto.
Imaginem uma ação coordenada por hackers destinada a poluir as redes sociais de inverdades de cunho político devidamente personalizadas... Dizem que aconteceu nos Estados Unidos. Pode acontecer aqui também. Estamos preparados, no Brasil, para lidar com tal situação? Claro que não.
Recentemente, sites oficiais de governos e empresas, inclusive no Brasil, foram alvo de um mega-ataque cibernético. Imaginem se isso ocorre durante o nosso processo eleitoral, que será excepcionalmente curto e durante o qual as inverdades terão pouco tempo para serem digeridas...
O problema é gravíssimo pela crescente importância das mídias sociais no cotidiano. Dizem que o Facebook tem mais de 100 milhões de usuários no Brasil e que o Google fatura 10% de sua receita mundial por aqui. O sucesso do Google como veículo reside em sua capacidade de segmentar a mensagem publicitária. Tamanha precisão pode ser, de algum modo, utilizada a favor da viralização de notícias falsas. Mas o problema não está, apenas, na capacidade de as redes sociais multiplicarem inverdades.
O problema, numa dimensão maior, deve abranger as notícias propositalmente imprecisas, as notícias falsas e a sua difusão. Como tratar? Não há solução fácil. Nem única. Até mesmo pelo fato inconteste de que o tema trafega no campo da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
Por outro lado, as notícias falsas impactam as verdadeiras e, sobretudo, as decisões reais de cidadãos. Além do mais, a mescla de notícias falsas com verdadeiras cria o que chamo de uma espécie de dimensão da “para-realidade”, em que não se sabe o que é verdadeiro e o que não é.
O que proponho para o tratamento da questão? A meu ver, três tipos de providências deveriam despertar a atenção dos Poderes Legislativo e Judiciário, dos veículos de comunicação, dos megassites e das redes sociais. Refiro-me a providências de natureza autorregulatória, de natureza legislativa e de natureza processual.
No âmbito da questão autorregulatória, os principais vetores das redes sociais devem estimular comportamentos que limitem os efeitos das notícias falsas e até mesmo reparem o dando causado. Recentemente o Facebook anunciou que vai contratar 3 mil moderadores com o objetivo de evitar o uso da rede para disseminar crimes, imagens pornográficas ou violentas e a apologia ao terrorismo. É um início.
As demais redes sociais deveriam fazer o mesmo, adotando comportamentos e processos que minimizem a circulação de notícias mentirosas e permitam a pronta identificação dos sites que as propagam. O Google deveria investigar sites que tradicionalmente divulgam inverdades, ao invés de financiá-los por meio de pagamento por anúncios vistos.
Os grandes grupos de mídia também precisam estar atentos. Na França, no recente período pré-eleitoral os principais sites de notícias atuaram coordenados para combater a difusão de informações falsas. Deveriam ir além, visando a educar sobre o dano que a imprecisão e a manipulação das meias-verdades podem causar ao processo eleitoral.
No âmbito legislativo, deve ser considerada a aprovação de um projeto de lei que reforce o marco legal da responsabilização pela divulgação de notícias inverídicas e permita que as autoridades policiais e judiciais identifiquem e punam os autores rapidamente. Há de se cogitar, também, de um procedimento diferenciado para o direito de resposta no caso das inverdades difundidas pelas redes sociais. Não sei como fazer. Mas sei que a mentira vulnera a democracia.
Por fim, deveria ser criada uma força-tarefa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com a participação da Polícia Federal tendo em vista, desde já, se preparar para enfrentar o problema ao longo do processo eleitoral de 2018.
Sabemos que existem leis e resoluções, inclusive do TSE, que trataram do tema nas eleições passadas. Devemos, porém, ir além e, ao lado da legislação existente, incentivar uma atitude proativa das autoridades competentes, da mídia tradicional e das grandes operadores das redes sociais a fim de reduzir o efeito negativo que as notícias falsas vão provocar em nosso processo eleitoral e em nossa nascente democracia.
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*Advogado, consultor, jornalista, cientista político e doutor em sociologia pela UNB