Cármen Lúcia dará hoje um voto que dirá que STF ela quer: de pé ou de quatro 29/06/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
O Supremo deve concluir hoje a votação sobre o papel do relator na homologação das delações, suscitado por uma questão de ordem e por um agravo regimental.
Na prática, há três questões em causa. A mais séria e mais relevante segue indefinida, e o voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, pode ser decisivo.
Ela vai dizer se quer uma Corte de joelhos diante de um acordo de um bandido com um procurador ou se acredita que aquela Casa só deve subserviência à Constituição.
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Por 11 a zero, os ministros bateram o martelo: Edson Fachin segue relator da homologação.
Já escrevi aqui: trata-se mais de uma manifestação de apreço do pleno a um de seus membros do que propriamente de uma questão técnica.
É evidente que ele não era o juiz natural do caso, que nada tem a ver com o petrolão.
Mas vá lá… Acredito que tal despropósito não se repita tão cedo.
O ministro Gilmar Mendes, que não tem receio de ser nem maioria nem minoria — e assim há se de comportar um juiz —, foi voto vencido na defesa de que cabe ao colegiado homologar uma delação, especialmente nos casos, como foi o de Joesley Batista, em que o bandido premiado não será nem mesmo denunciado.
A argumentação de Mendes foi impecável:
“Sob outro aspecto, quando o acordo de colaboração chega ao ponto do perdão com a dispensa de denúncia, a decisão unipessoal é ainda menos compatível com o sistema. Nesses casos, a lei redunda em duas decisões penais graves: o reconhecimento da culpa do acusado e a dispensa da aplicação da pena correspondente. São dois juízos de mérito da maior relevância. Não há consistência em projetar para tal hipótese a competência do relator para aplicar medidas cautelares.
(…)
Acresço que a submissão aos juízos singulares reduz o espaço para a contestação aos acordos, ou mesmo para a formação de jurisprudência sobre o tema. Os acordos acabam homologados pelos juízes de primeira instância e, eventualmente, por relatores.”
O ministro, diga-se, afirmou que, ele mesmo, se relator, não hesitará em apelar ao colegiado, o que sempre se faculta a um membro do Supremo.
Questão grave
A questão grave, no entanto, vem agora.
Até onde as palavras fazem sentido — será preciso que cada ministro esclareça seu voto para a redação do acórdão — o acordo de delação homologado é a voz de Deus, mesmo na hora do julgamento, para cinco membros do STF, a saber: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Celso de Mello.
Cinco outros se manifestaram, até onde se entende, para que o tribunal, diante de uma eventual irregularidade, possa intervir na fase da sentença: Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e, como já deu pra notar, Gilmar Mendes.
O que diz o Parágrafo 11 do Artigo 4º da Lei 12.850?
Vamos ver:
“§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.”
“Eficácia” é a qualidade ou virtude do que é eficaz. E, segundo o dicionário, o “eficaz tem a virtude ou o poder de produzir, em condições normais e sem carecer de outro auxílio, determinado efeito”; também é sinônimo de “seguro, válido, ativo, infalível, persuasivo, convincente”.
Ainda que a palavra “eficácia” tenha aplicações diversas em direito, todas elas remetem ao sentido denotativo do vocábulo.
Ora, um acordo de delação, mesmo que homologado, que carregue vícios e ilegalidades deve, ainda assim, ser soberano? Ou, nas palavras de Mendes:
“Nesse particular, é de se indagar se o juízo homologatório do acordo de colaboração premiada é exauriente ao ponto de afastar qualquer irregularidade informativa das partes: seja porque o acusado ocultou informações relevantes à acusação; seja porque alegou possuir informações e material probatório de que não dispunha; seja porque o próprio órgão acusador omitiu informações a respeito das provas existentes em relação ao próprio colaborador, de modo a induzi-lo a erro quanto ao juízo de eventual condenação. Quer me parecer que a resposta é negativa”.
Bem, meus caros, dizer o quê?
Trata-se de saber, já escrevi aqui, qual a Carta Magna do país: é a Constituição ou é um acordo de delação premiada, celebrado entre um bandido e um procurador?
Mendes fez picadinho do argumento com que Rodrigo Janot tentou encantar a corte.
Segundo o bravo, se o Poder Judiciário realizar o controle do acordo, o Ministério Público acabará prometendo o que não poderá entregar, o que constituiria uma ameaça à segurança jurídica.
O ministro responde:
“Ao prometer o que está na lei, o Ministério Público tem relativa certeza de que poderá cumprir sua parte do acordo. Entretanto, resta claro que o Ministério Público não se conforma com os limites legais, ao menos nos acordos firmados no âmbito da Lava Jato. Ou seja, primeiro o Ministério Público se assenhorou da lei, agora empurra a culpa da insegurança jurídica para o Poder Judiciário.”
Torço, sem trocadilho, para que tenha entendido certo o voto dos cinco ministros que, avalio, ainda consideram que a Carta Magna do país é a Constituição.
Não se mostram dispostos a transformar o Supremo no quartinho dos fundos do Ministério Público, onde se guardam cacarecos.
E torço igualmente para que Cármen Lúcia seja o sexto voto.
Afinal, o Ministério Público, à diferença do que pensa Barroso, não tem autonomia para negociar o que não lhe pertence: as leis do país.
Ao longo de outros posts, vocês conhecerão algumas aberrações contidas em acordos.
Aliás, Cármen Lúcia é a melhor testemunha de que a homologação de um acordo não pode ser a voz de Deus.
Na condição de presidente do tribunal, dada a morte de Teori Zavascki, ela homologou 77 acordos de delação num único fim de semana.
Ela sabe que o fez sem ler, como observei à época.
Lá estava, entre outros exotismos, a aplicação informal de prisões domiciliares, com dosimetria e tudo.
E quem atuou como juiz?
Ora, os procuradores.
Que se note, hein?
Com tal conteúdo, nem homologado poderia ter sido.
Como a senhora quer a Corte, ministra Carmen Lúcia?
De pé ou com as dois pés no chão e as duas mãos também?