Tiririca estava errado. Temer deve saber 09/07/2017
- ROLF KUNTZ - O ESTADO DE S.PAULO
Santos-Dumont era mais prudente que Tiririca, eleito deputado com o slogan “pior do que está não fica”.
O chamado pai da aviação desafiou a lei da gravidade, mas nunca se atreveu a negar as leis de Murphy ou qualquer outra do mesmo tipo – formulada, por exemplo, como “tudo pode piorar”.
O presidente Michel Temer acaba de ver comprovado o erro tiriricano.
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Quando viajou para participar da reunião do Grupo dos 20, na Alemanha, tinha um enorme problema imediato: escapar das flechadas do procurador-geral da República (“enquanto houver bambu, haverá flechas”, tinha dito o arqueiro Rodrigo Janot). Então aconteceu o milagre da multiplicação dos abacaxis.
Enquanto o presidente circulava entre outros chefes de Estado e de governo em Hamburgo, outra encrenca se agravou.
Com a deserção do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), ficou mais difícil a aprovação da reforma trabalhista.
Depois de ter-se declarado favorável ao projeto, o político recuou, para acompanhar, segundo disse, a decisão de seu partido.
Pelas estimativas conhecidas na sexta-feira, o governo só teria como certos 42 votos, 1 a mais que o mínimo necessário.
Se o projeto cair no Senado, será mais difícil apostar na mudança da Previdência, a proposta mais audaciosa do governo.
Com esse fracasso, o cenário ficará mais enevoado, as perspectivas serão mais incertas e o Executivo será forçado, quase certamente, a recalibrar seus planos ou a enfrentar negociações muito mais custosas para conseguir apoio.
A redução dos juros, fator importante para a dinamização da economia, poderá ser freada.
É cedo para dizer se apenas ficará mais lenta ou se o Comitê de Política Monetária (Copom) decidirá interrompê-la.
De toda forma, a nova situação será levada em conta, garantiu em entrevista à GloboNews o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn.
“Reformas”, disse ele, “são necessidade, não opção.”
A frase poderia ser meramente uma declaração enfática de apoio à pauta de mudanças preparada pelo governo. Mas o compromisso até agora sustentado pelo Copom, formado por dirigentes do BC, vai muito além da retórica.
O afrouxamento da política tem sido condicionado a alguns fatores bem definidos:
1) as perspectivas da inflação e, particularmente, de alguns componentes do índice, como os preços de serviços;
2) as possibilidades de ajuste das contas públicas, com atenção especial à expectativas de aprovação e de implementação da agenda de reformas.
Desde outubro do ano passado a taxa básica de juros, a Selic, foi reduzida de 14,25% para 10,25%.
Continua elevada, mas novos cortes podem ser feitos se nenhum entrave importante forçar uma revisão da política.
Até a última semana o mercado seguia apostando em mais afrouxamento.
Pela mediana das projeções, a taxa estará em 8,5% no fim deste ano e em 8,25% em dezembro de 2018.
Se essas expectativas estiverem certas, deverão cair também as taxas de mercado, facilitando o consumo e as decisões estratégicas das empresas.
Além disso, juros mais baixos diminuirão os custos financeiros do Tesouro, melhorando as contas de governo e abrindo caminho para o controle do endividamento do setor público.
Mas nada disso é realizável, sem efeitos muito ruins, por mero voluntarismo.
Os agentes do mercado podem simplesmente recusar-se a financiar o Tesouro se a remuneração dos títulos for considerada irrealista.
Além disso, política monetária muito frouxa normalmente resulta em mais inflação e em desafios mais difíceis, quando os preços voltam a crescer aceleradamente.
Os brasileiros tiveram essa experiência mais de uma vez.
O fiasco da política seguida entre agosto de 2011 e abril de 2013 deve ter proporcionado lições interessantes a quem dá alguma atenção aos fatos.
Irrealismo é tentar operar com juros abaixo da taxa estrutural, aquela compatível com uma economia sem maiores pressões inflacionárias.
A atual direção do BC tem-se mostrado disposta a respeitar essa restrição, para evitar tropeços e recuos políticos muito custosos.
Sem as incertezas quanto à evolução dos ajustes e à execução da pauta de reformas seria muito mais fácil prever a evolução dos juros.
O recuo da inflação seria muito mais seguro e daí resultariam benefícios para o consumo, para a produção e para a criação de empregos – com a contribuição, naturalmente, de juros mais civilizados.
Diante de tantas incertezas, seria um exagero celebrar, agora, a deflação de 0,31% registrada em junho, ou a inflação de 3% acumulada em 12 meses, o número mais baixo desde março de 2007.
A insegurança, nesta altura, contamina todas as projeções.
Recuperação ameaçada é o título do Informe Conjuntural publicado na sexta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Incertezas políticas, segundo o subtítulo, “podem comprometer a reativação da economia”.
As estimativas já são modestas.
A equipe da CNI reduziu de 0,5% para 0,3% o crescimento previsto para o produto interno bruto (PIB).
O número anterior havia sido fixado em abril. A projeção do PIB industrial passou de 1,3% para 0,5%.
O investimento em máquinas, equipamentos e obras deve ser 2,7% menor que o de 2016, em vez de 2% maior, como antes se calculava.
A inflação recuará para 3,6%, bem abaixo da meta de 4,5%, mas as contas públicas continuarão em mau estado, com a dívida bruta do setor público subindo para 74,3% do PIB, 0,8 ponto acima da projeção formulada em abril.
Em 2016 essa relação atingiu 69,9%. Sem o esforço de ajuste realizado até agora, o resultado previsto seria, naturalmente, muito mais feio.
Se a insegurança política aumentar, e se a agenda de reformas for travada, todo o cenário poderá ficar pior.
O risco seria muito menor, é claro, se fosse possível paralisar os fatos enquanto os políticos se engalfinham em Brasília.
Mas o mundo gira e a Lusitana roda, enquanto a economia se atola no pantanal da incerteza.