O Ali Babá do Açougue e os 40 ladrões. Ou: Mil e Uma Noites de crimes de Joesley e 67 de perdão 24/07/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
Bem, não sei por onde começo. Acho que com um elogio à assessoria de imprensa de Joesley Batista.
Alguém com pendores literários deve ter redigido, ou ajudado a redigir, o texto assinado por ele, publicado na Folha de ontem.
Já o título empresta certo tom de fabulário à narrativa, com um apelo até orientalista: “67 dias e 67 noites de uma delação”.
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Se Joesley fosse Sherazade, quem seria o rei chifrudo, a quem ele estaria querendo engabelar.
Bem, convenham, quem vive tomando nos cornos é mesmo o povo brasileiro, né?
Mas esperem… Rodrigo Janot, o procurador-geral, confessou, em Washington, que Sherazade lhe contava só pedacinhos das mil e uma noites da corrupção…
E o rei gordoto do MPF sempre querendo mais…
Em vez de dar voz de prisão para quem o submetia a uma espécie de chantagem, Janot lhe garantiu a impunidade.
Na realidade como uma metáfora da fábula, Janot se casou com Joesley.
Ou, ainda, como diz Guilherme Macolossi, meu amigo e radialista em Farroupilha, pode ser que tenhamos lido um pedaço de “Ali Babá do Açougue e os 40 ladrões”.
E, bem, antes que o ex-bandido decida processar também Macalossi, convém que a FSB lembre a Joesley que, à diferença do que pensa o senso comum, Ali Babá não era ladrão…
O texto, de algum modo, inaugura um subgênero da literatura policial: o Desabafo Passivo-Agressivo.
Eis um homem que não quer pouco da vida.
Ele pretende mais do que a imunidade e a impunidade que lhe foram garantidas pelo rei do MPF, a ajuda de Edson Fachin.
Ele quer o reconhecimento público.
Julga-se injustiçado.
Leiam este mimo:
Imagens minha e da minha família embarcando num avião, tiradas do circuito interno do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram exibidas na TV, como se estivéssemos fugindo.
Um completo absurdo. Políticos, que até então se beneficiavam dos recursos da J&F para suas campanhas eleitorais, passaram a me criticar, lançando mão de mentiras.
Disseram, por exemplo, que, depois da delação, eu estaria flanando livre e solto pela Quinta Avenida, quando, na verdade, nem em Nova York eu estava.
Para proteger a integridade física da minha família, decidi ir para uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, longe da curiosidade alheia.
Nessa altura, porém, eu já havia sido transformado no inimigo público número um, e nada do que eu falasse mereceria crédito.
Ora… Nova York, China ou uma cidadezinha americana qualquer, que diferença fazia?
Há uma flagrante inversão dos fatos aí: o que se tentou — e Joesley foi o protagonista do esforço — foi transformar o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves nos inimigos públicos nº 1 e nº 2 do Brasil.
Ou não foi o “Ali Babá do Açougue” a nominá-los justamente como os dois graúdos de suas lambanças?
Foram poucos — e, sim, eu estou entre os MUITO POUCOS — a reagir de imediato aos benefícios concedidos ao delator e a criticar a operação, que cometeu, entendo eu e entende uma penca de especialistas em direito, um rol formidável de ilegalidades.
Não é uma graça que Joesley venha a público para atacar os “políticos que se beneficiavam das doações da J&F para as suas campanhas”?
Ora, doações de pessoa jurídica eram legais.
Escandaloso é que se tenha aceitado a versão de que não havia diferença entre caixa um, caixa dois e corrupção.
Ou não foi este senhor a dizer que comprou quase dois mil políticos, metendo todo mundo no mesmo saco?
Neste trecho, o redator exagerou:
Mentiram que eu estaria protegendo o ex-presidente Lula; mentiram que eu seria o responsável pelo vazamento do áudio para imprensa para ganhar milhões com especulações financeiras; que eu teria editado as gravações.
Por fim, a maior das mistificações:
Eu teria estragado a recuperação da economia brasileira, como se ela fosse frágil a ponto de ter que baixar a cabeça para políticos corruptos.
Vamos ver.
Não, Joesley!
O que se estranha é que, ao longo de 13 anos de governo petista, nunca lhe tenha ocorrido gravar uma conversa suspeita com companheiros — ou com o companheiro”.
Ou o partido mantinha com a J&F uma relação distinta daquela vivida com as empreiteiras, por exemplo?
O que constrange, meu senhor, as almas que não se conformam com fábulas ruins, ainda que o esforço de comunicação seja meritório, é a versão que Temer e Aécio foram os principais instrumentos das ações ilegais da J&F ao longo dos últimos 14 anos.
De resto, que empresas do grupo J&F compraram dólares antes do vazamento, bem, eis um fato, não uma versão.
Que a moeda deu um salto no dia seguinte ao vazamento, eis outro fato, não versão.
Que o grupo seja alvo de mais de uma dezena de procedimentos investigativos da Comissão de Valores Mobiliários, eis igualmente um fato, não uma versão.
Quanto ao crescimento do país…
Ora, Joesley!
Sim, o episódio causou e causa constrangimento à economia brasileira, rapaz!
Você é esperto.
Não se tornou multibilionário porque é burro.
Sabe que o tsunami criado pela operação “J&J” — Joesley & Janot — aumenta a desconfiança dos agentes econômicos, cria embaraços à reforma da Previdência, dificulta a retomada de uma agenda positiva.
Se o país crescer 0,1 ponto percentual a menos do que poderia em razão de sua pantomima, meu senhor, estamos falando de R$ 6,3 bilhões em um ano.
Se 0,2 ponto percentual a menos, são R$ 12,6 bilhões.
Isso em um ano!
É mais do que os R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência fechado por seu grupo, num prazo de 20 anos.
Destaco também o trecho em que ele fala como um neoconvertido:
De volta a São Paulo, onde moro com minha mulher e meus filhos, vejo na imprensa políticos me achincalhando no mesmo discurso em que tentam barrar o que chamam de “abuso de autoridade”.
Eles estão em modo de negação. Não os julgo. Sei o que é isso. Antes de me decidir pela colaboração premiada, eu também fazia o mesmo. Achava que estava convencendo os outros, mas na realidade enganava a mim mesmo, traía a minha história, não honrava o passado de trabalho da minha família.
Como é duro faturar R$ 4 bilhões em 2007 e R$ 183 bilhões em 2016 “enganando a si mesmo, traindo a sua história, não honrando o passado de trabalho da família…”
Vou dar um conselho a Joesley, de graça, mesmo sem fazer parte da equipe de assessores de imprensa e de imagem: não force o limite do ridículo.
O que você quer?
Que nós, os brasileiros, lhe sejamos gratos?
Não deixa de ser engraçado você dizer que é de “carne e osso”, duas, vamos dizer, matérias-primas que compõem parte considerável de seus negócios.
Sabe o que é, Joesley?
A história não fecha.
O fato de Janot, o rei do MPF, ter se conformado com a sua narrativa, arranjada na medida para derrubar o presidente Temer e atingir um dos principais adversários do PT, não combina com o conjunto conhecido da obra.
O povo brasileiro, rapaz, cuja confiança você traiu com tanta determinação, também é de carne e osso.
Carne e osso vendidos a preço ordinário.
Abra mão de sua fortuna, torne-se um monge franciscano, doe tudo o que tem aos pobres, e aí a gente considera seriamente a hipótese de perdoá-lo.
O que lhe parece a minha oferta?
No texto que você assina e nas ameaças que andou espalhando, não se percebem arrependimento, humildade, contrição.
Ao contrário: o que se vê ali é a concupiscência do heroísmo, que é típica dos falsos heróis.
Um “ex-bandido”, um “ex-criminoso”, um “ex-corruptor contumaz” tem de ter pretensões um pouco mais modestas, cara!