Procurador conta: Joesley subiu o saiote, exibiu o tornozelo, e Janot agiu com tesón y voluntad 29/07/2017
- BLOG DE REINALDO AZEVEDO
Carlos Fernando, procurador da República, braço esquerdo e mais destrambelhado de Deltan Dallagnol na Lava-Jato, concedeu uma entrevista à Folha.
Já deveria ter comentado. Felizmente, tenho coisas mais urgentes a fazer, o que não quer dizer que vá me dispensar do que considero ser uma tarefa civilizatória.
Não há nada de errado com as perguntas feitas por Fábio Zanini e Wálter Nunes.
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O que choca são as respostas do doutor.
Para lembrar: é aquele senhor que resolveu contestar as evidências de que Deltan ingressou no MPF contra o que dispunha a lei e me xingando de velhaco e de cachorro.
A entrevista evidencia que a cultura jurídica do doutor não suporta muito mais do que a ofensa.
De mais notável em suas considerações, há o fato de que ele admite que a patuscada armada pela Procuradoria Geral da República com Joesley Batista causou danos à imagem da Lava Jato.
Mas, diz o doutor, ele faria o mesmo.
E usou, Santo Deus!, uma estranha metáfora sexual para se referir à relação entre Joesley Batista e Rodrigo Janot.
Como diria o procurador-geral, só de pensar fiquei “nauseado”, “vomitei três vezes”.
A coleção de bobagens do procurador é assombrosa. Percebo que nem mesmo sabe o que quer dizer “indício”.
Segue a entrevista, comentada:
Folha: O sr. passou a se manifestar de forma mais enfática nas redes sociais, inclusive em temas políticos. Por quê?
Carlos Fernando:
– Nós mudamos um pouco a forma de fazer a comunicação. No começo, falávamos da nossa investigação em Curitiba e tínhamos até restrição do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. Agora, estamos falando sobre o geral, a corrupção como fenômeno. O que descobrimos é que o sistema do PT é orgânico, por isso prendemos tantos tesoureiros. Lá [refere-se ao governo Temer] é a mesma coisa, mas um modo de atuação diferente, de forma mais atomizada, baseada em caciques. Uma das coisas que me deixa mais indignado são os falsos apoiadores. O exemplo é o [senador peemedebista Romero] Jucá fazendo coraçõezinhos nas manifestações pró-Lava Jato na avenida Paulista.
É evidente que o sr. Carlos Fernando está fazendo o que não pode fazer: comentando a investigação. Não! Ele não tem essa prerrogativa. O que vai acima nada tem a ver com o trabalho de quem tem de investigar, de produzir provas para, então, oferecer a denúncia. O que se lê ali é uma tese. Quem “fala sobre o geral”, a “corrupção como fenômeno”, são os estudiosos, os jornalistas, os políticos. Não é tarefa de procurador. Note-se que, na verdade, ele fala como juiz.
Folha: A reação à Lava Jato mudou?
Carlos Fernando:
– [Hoje] É mais sofisticada, baseada na política. Na destruição das Dez Medidas [propostas da força-tarefa contra a corrupção], na tentativa de aprovar leis. Há um sufocamento econômico da Lava Jato. Não há como negar que a PF sofreu isso.
Jamais alguém disse tanta inverdade com tão poucas palavras:
– quatro das dez medidas eram fascistas (quase extinção do habeas corpus, ampliação absurdamente abusiva das possibilidades de prisão preventiva, teste aleatório de honestidade e admissão em juízo de provas ilícitas);
– o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade é bom e não toca nas faces rosadas da Lava Jato;
– sufocamento econômico uma ova! Que o doutor diga o que está faltando à operação.
Ademais, deve é estar sobrando recursos ao MPF, não?, ou o Conselho não teria aprovado um reajuste para aos procuradores de mais de 13%.
Carlos Fernando já protestou?
Como o sr. vê a relação atual entre PF e Procuradoria?
Carlos Fernando:
– A relação sempre foi conturbada pelos limites de cada competência. Procuramos deixar essas questões em segundo plano. Quando há uma crise a gente chama uma reunião, sentamos e conversamos. Infelizmente existem momentos em que você não consegue superar isso. Por exemplo, colaborações. Nós entendemos que só o Ministério Público pode fazer acordos. É constitucional, não podemos abrir mão.
Carlos Fernando é um fanfarrão!
É sobre Constituição que ele quer falar?
Que tal indicar, então, em que parte da Carta está escrito que o Ministério Público Federal deve exercer papel de polícia, como exerce hoje.
Se a Carta for cumprida, os doutores têm de parar de fazer investigações.
A verdade que é o MPF reivindica hoje a condição de Poder dos Poderes.
Folha: Houve recente relatório da PF sobre o áudio do [ex-senador] Sergio Machado que não viu obstrução por peemedebistas.
Carlos Fernando:
– Cada instituição deve se ater à sua atribuição. Nesse caso eu vou ser bem crítico. Não cabe a um delegado fazer considerações sobre a delação, essa é uma atribuição nossa, e a homologação é do juiz. Qual a vantagem para um delegado fazer isso? Acirrar uma briga institucional à toa. Só serve para a defesa.
Esse rapaz é um pândego.
Procurem no Artigo 129 da Constituição onde está escrito que cabe ao Ministério Público se comportar como polícia.
Essa é mais uma das prerrogativas que o MPF outorgou a si mesmo.
Se não cabe a um delegado fazer comentários sobre delação, como quer Carlos Fernando, onde está escrito que lhe cabe fazer investigação?
Na votação da PEC 37, que especificava e limitava os poderes do órgão, os senhores procuradores conseguiram fazer tal alarido que o texto foi rejeitado na Câmara por esmagadora maioria.
Os políticos acharam que, assim, os procuradores teriam por eles um pouco mais de consideração.
Não há o menor risco de isso acontecer justamente porque, hoje, eles disputam o poder.
Ah, sim: no caso em tela, a Polícia Federal só constatou, ao encerrar o inquérito, que os peemedebistas não havia obstruído a investigação, como qualquer um podia constatar ouvindo as gravações.
Folha: Outro revés foi a decisão do TRF-4 de absolver Vaccari [ex-tesoureiro do PT].
Carlos Fernando:
– É mais grave. Existem provas [contra Vaccari]. Dizer que inexistem é um equívoco dos juízes. O que eles poderiam dizer é que não foram convencidos. Nossa tradição jurídica diz que indícios veementes são suficientes para condenar. No caso do Vaccari, ele não usa métodos bancários, ele usa a mochilinha. Você vai ter produção do dinheiro pela empresa, fotografia dele entrando. Isso tudo são indícios que corroboram o depoimento de um colaborador. Dizer que não há provas é desconsiderar isso, porque indícios no Brasil são provas.
Vejam Carlos Fernando a fazer o que ele disse que não faz e reconhece que não pode: está a discutir o processo e ousa dar bronca em juízes.
Eu posso fazê-lo. Você pode fazê-lo. Ele não!
Suas considerações sobre indícios são toscas.
Com efeito, encontra-se o seguinte no Artigo 239 do Código de Processo Penal: “CONSIDERA-SE INDÍCIO A CIRCUNSTÂNCIA CONHECIDA E PROVADA, QUE, TENDO RELAÇÃO COM O FATO, AUTORIZE, POR INDUÇÃO, CONCLUIR-SE A EXISTÊNCIA DE OUTRA OU OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS.”
O indício é a circunstância CONHECIDA E PROVADA que tem relação com o fato investigado e permite que se conclua que há outras circunstâncias.
Como é?
Então um ou mais delatores dizem que Vaccari carregava propina na mochila, e o MPF apresenta foto do ex-tesoureiro do PT carregando uma mochila, e isso basta para que se conclua que, dentro dela, havia dinheiro de propina?
Ah, eu não tenho dúvida de que Vaccari era um dos homens da grana do PT.
Mas como é que o TRF iria condená-lo com uma prova porca como essa?
Isso não é indício, é feitiçaria.
Folha: Muitos no meio jurídico discordam, dizem que indício é indício, prova é prova.
Carlos Fernando:
– Não é assim nossa tradição. Nossa jurisprudência é de que indícios convergentes e diversos são suficientes para condenação. Não está dizendo que precisa de uma prova no sentido clássico, de divisão entre indícios e provas. Agora, sempre vai ter o jurista de plantão, o advogado de criminalista defendendo as teses.
Faço aqui um ajuste ao registro dos entrevistadores. Não se trata de indagar se indício é prova ou não. O indício tem de ser uma situação CONHECIDA E PROVADA que guarde relação com o caso e induza a uma conclusão em favor da denúncia.
Aquilo a que Carlos Fernando chama “nossa tradição” é só uma invenção da sua turma.
De resto, se o indício se choca com a realidade material do caso, ou indício não é, ou se desqualifica a realidade material.
Essa coexistência é impossível. Esse cara fala o que dá na telha.
Lembremos aqui, claro!, do tríplex que seria de Lula e da batata quente que o MPF, por intermédio de Sérgio Moro, largou no colo do TRF4.
Os “indícios”, segundo os procuradores (e com a concordância do juiz), apontam que o imóvel pertence ao ex-presidente.
Muito bem! Para que eles se sobreponham aos documentos de fé pública que atestam que o apartamento é propriedade da OAS, tais documentos deveriam ter sido desqualificados.
Não foram.
Mais: a denúncia do MPF aponta que o dito-cujo seria fruto de propina de três contratos.
Os procuradores não apresentaram essa evidência.
Prefeririam apontar como “indício” o fato de que Lula era, afinal, o responsável pela nomeação dos diretores da Petrobras.
O que fará o TRF4?
Não sei.
Mas estamos, em matéria penal, diante de mais um trabalho porco, malfeito, da acusação.
Até acho que Lula é dono do tríplex, como deve ser mais ou menos dono de muita coisa, dado que o PT não distingue o público do privado.
Mas esse é outro assunto, e, quando menos, essa investigação é outra e corre no Supremo.
A verdade é que o MPF de Carlos Fernando e amiguinhos trabalhou mal, fez serviço de quinta categoria.
E Moro só não absolveu Lula porque, afinal, tem de honrar também a personagem.
Folha: Qual o risco de a condenação do Lula ser derrubada no TRF como no caso Vaccari?
Carlos Fernando:
– Qualquer que seja o processo sempre vai ser arriscado. Mais arriscado nem é o mérito, mas uma daquelas bobagens que plantam durante o processo para virar nulidade num escalão superior. Na nossa tradição, advogado não lida com o mérito, sempre luta pela nulidade.
Bem, dizer o quê?
Um sujeito que desrespeita o decoro que seria próprio a um procurador não iria ser decoroso com os advogados de defesa.
O doutor se esquece de que estes só existem nas democracias.
Já os Carlos Fernandos são frequentes nas ditaduras.
Observem que aqueles que contraditam o MPF, na sua cabeça, só podem fazê-lo por “bobagens”.
Logo, se os desembargadores do TFR4 fizerem o que ele não quer, estarão fazendo… bobagem!
Folha: É o momento de maior contestação da Lava Jato?
Carlos Fernando:
– Temos dois fenômenos: a partir do momento em que as investigações passaram para o PMDB, as pessoas perguntaram: espera aí, não é só o PT? Começamos a explicar que não é uma questão partidária, é uma questão de crime. E segundo, a JBS, que realmente em termos de comunicação foi muito complicado para o Ministério Público. O acordo é muito mal compreendido pela população. Isso é um erro nosso. Seja porque o benefício talvez tenha sido deferido de uma forma muito leniente, seja porque [o MP] não se preparou adequadamente para comunicar.
Nunca ninguém disse que a corrupção no Brasil era monopólio do PT.
Isso é uma farsa.
Incompreensível é que o MPF tenha negado a centralidade do PT no esquema criminoso e posto, em seu lugar, ora vejam!, Michel Temer e Aécio Neves.
Quem, com um mínimo de discernimento, acreditaria que esses dois políticos exerciam tal papel?
Ele diz que os benefícios “talvez” tenham sido excessivos…
Talvez???
Ora, trata-se apenas do benefício absoluto: a imunidade como sinônimo da impunidade.
Não pode ter boa explicação o que é inexplicável, a menos que uma agenda secreta, desconhecida dos brasileiros, esteja em curso.
As evidências de que se agiu de forma deliberada para derrubar Michel Temer são abundantes.
Olhem: se eu tivesse a concepção que tem Carlos Fernando dos “indícios”, Rodrigo Janot deveria ir para a cadeia, depois de devidamente condenado por golpismo.
Folha: O benefício foi excessivo?
Carlos Fernando:
– Eu faria o acordo? Faria, se eu estivesse na mesa [negociando]. O material é mais do que suficiente. O problema é o quanto você quer o acordo e em quanto tempo. É mais ou menos como o relacionamento amoroso. Você deseja muito uma pessoa e a pessoa percebe. Ela passa a exigir, dizer: eu quero só casamento.
Xiii…
Ele desconfia que pode ser excessivo, mas faria o mesmo.
E recorre a uma metáfora de caráter sexual.
QUE NOJO! Deixem-me ver se entendi.
Janot não podia ver Joesley, e sua excitação cívica logo se fazia notar.
O próprio Janot afirmou, em palestra em Washington, que o outro provocava a sua libido de denunciador com trechos de gravações.
Eu tinha recorrido a uma imagem menos sensual para tratar dessa relação: Joesley estava para Pavlov como Janot para o cachorro babão.
Segundo Carlos Fernando, a coisa foi diferente: o açougueiro de casaca ficava mostrando o tornozelo para Janot, depois a panturrilha, depois o joelho…
E o procurador-geral ali, querendo tudo, com “tesón y voluntad”, como se diria em espanhol.
Joesley, à moda das moças casadoiras, fazia, então, sua “coquetterie”, e Janot loucão…
Um dia ele gritou: “Eu caso, eu caso…”
Era a hora do filé mignon. E se criou, então, o casal “J&J”: Janot e Joesley!
Que modo edificante de ver as coisas!
Joesley é do tipo que só se casa com comunhão de bens — alheios, claro!
Ah, sim: a concepção que Carlos Fernando tem dos relacionamentos amorosos só não é pior do que a concepção que tem de direito.
Folha: Faltou ser mais blasé?
Carlos Fernando:
– Exatamente. É o truque. Faltou um pouco disso. E depois ter uma percepção clara de como a população encaras as coisas. Você [Joesley] vai para Nova York? Não, você não vai. Desculpe, você não vai ser filmado.
Huuummm… Malandrinho!
Você, que já sonhou em dar em cima de Carlos Fernando; você, que não consegue resistir àquele coquetel de charme, virilidade e picardia, bem, saiba: se ele estiver na linha “nem te ligo”; se estiver, como diz um amigo gay, “fazendo a egípcia”, saiba: ele estará escondendo o jogo.
Ah, sim: ele acha, também, que não se cuidou direito do marketing da coisa.
Era para enganar os trouxas, e tudo acabou ficando às claras…
Folha: Se o sr. estivesse negociando, teria ido com mais calma?
Carlos Fernando:
– Eu falo isso, mas tenho respeito muito grande pela mesa [os negociadores da PGR]. A mesa é que sabe as suas próprias circunstâncias.
Eu continua a achar que tudo depende de “teson y voluntad”.
Folha: Houve dano à Lava Jato?
Carlos Fernando:
– Houve um dano de imagem a toda a investigação, que contamina tudo. De repente, aqui no Paraná, nos vimos tendo que responder sobre isso.
Que absurdo, não?, terem de responder “sobre isso”.
Ora, se o doutor admite que se tornou um pensador da corrupção, por que não haveriam de lhe fazer perguntas?
Folha: Outro ponto polêmico é o do Marcelo Miller [procurador que foi contratado pelo escritório de advocacia que representa a JBS].
Carlos Fernando:
– Até onde eu sei ele não participou do acordo. Mas realmente é outro problema que deveria ter sido percebido. […] Esse era um caso para que houvesse esse tipo de questionamento, e não era conveniente que ele participasse. Teria sido uma decisão acertada se ele tivesse se negado a fazer.
Que coisa! Miller era braço-direito de Janot, deixou o MPF e, três dias depois, estava trabalhando no escritório que cuidava do acordo de leniência da J&F, sem obedecer à quarentena, que é de três anos.
Atenção!
Trabalhando no escritório e no caso.
Mas notem como ele é respeitoso com Miller…
Já com os advogados de defesa…
Folha: Voltando à sua atuação nas redes sociais, há uma proibição de que procurador se manifeste…
Carlos Fernando:
– Eu sou proibido de me manifestar sobre os processos. […] Estou falando de um problema político como cidadão. Estou exercendo meu direito. Não posso ser castrado.
Vale dizer! É proibido fazer o que faz nesta entrevista.
Essa divisão entre o procurador e o cidadão é uma farsa.
Até porque o doutor goza dos benefícios de ser membro do MPF, incluindo a segurança, 24 horas por dia.
O procurador que manifesta posição na rede social tem isenção para investigar?
Se eu estivesse fazendo consideração político-partidária, eu estaria realmente vinculado a certos posicionamentos.
Se você defende princípios que estão na Constituição, esse argumento é absurdo.
Eu vou falar.
Não posso deixar de falar.
Eu tenho uma obrigação de falar.
Ainda que assim fosse, quem disse que a militância político-partidária é a única vedada a procuradores?
Uma ova!
Eles também não podem sair por aí a condenar pessoas que, muitas vezes, nem mesmo são oficialmente investigadas.
E Carlos Fernando faz isso.
E Deltan Dallagnol faz isso.
E Janot faz isso.
Folha: A Lava Jato vai até onde?
Carlos Fernando:
- Aqui no Paraná está na meia idade caminhando para a velhice. As investigações acabam por dois motivos: porque o assunto se esgotou ou porque não existem recursos mais para você trabalhar. Creio que temos os dois fenômenos. Estamos caminhando para o esgotamento do assunto Petrobras. Mas também estamos sofrendo com falta de recursos. Estamos ficando velhos e com reumatismo.
O pensamento lógico de Carlos Fernando é pior do que as suas concepções de direito e de amor.
Como é?
As investigações morrem ou porque o assunto se esgotou ou porque faltam recursos?
E ele diz que, no caso, acontecem as duas coisas, é isso?
Ora, mas se já não há motivos, por que deveria haver recursos?
Para financiar o nada?
Essa entrevista explica muita coisa. Eis a cabeça de um dos homens mais poderosos da República.
...
OBS: A imagem de Joesley erguendo a saiotinho para mostrar o tornozelo a Janot vai povoar meus pesadelos.