Cortina de fumaça 19/08/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
É consensual a premência da reforma do sistema político-eleitoral, entre outras reformas, como a da Previdência. Os cidadãos verdadeiramente interessados na reconstrução nacional consideram essa uma questão essencial para o resgate do País do atraso político, econômico e institucional em que se encontra e projetá-lo para o futuro.
Já passou da hora de uma reforma que leve ao saneamento do incompreensível mosaico partidário brasileiro, incluindo a adoção da chamada cláusula de desempenho, medida que fortalecerá as legendas que realmente têm estofo programático e representação social, requisitos fundamentais para conferir, mais do que racionalidade, legitimidade à democracia representativa consagrada pela Constituição.
Uma reforma política também deve reduzir drasticamente o bilionário custo das campanhas eleitorais, de modo a democratizar as candidaturas e aproximar os candidatos dos eleitores. Sob essas condições de transparência e confiança – tão caras à própria natureza da atividade política – vicejará a ideia do financiamento eleitoral privado por meio das doações de pessoas físicas, eliminando-se, assim, “soluções” absurdas como o tal Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FDD), que nada tem de democrático ao impor a todos os contribuintes o ônus de custear o funcionamento de partidos que não os representam.
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Por fim, mas não menos importante, impõe-se ainda uma reforma eleitoral que acabe com mecanismos esdrúxulos como as coligações partidárias em eleições proporcionais, que servem tão somente para ampliar a distância entre eleitos e eleitores ao distorcer as escolhas que estes fazem nas urnas, dando azo à chamada crise de representatividade.
Não é nada disso, porém, que parece inspirar os parlamentares na discussão da reforma política ora em tramitação no Congresso.
O debate em torno de propostas como o já mencionado FDD, o “distritão” ou, como agora se cogita, o chamado “distritão misto”, uma estrovenga que, se aprovada, só existirá no Brasil, mostra que o Legislativo não está honrando o seu papel de agente das transformações ansiadas pela sociedade em uma democracia republicana.
Não são poucas as críticas pertinentes que têm sido feitas ao teor da reforma política em discussão. O vaivém de propostas que a caracteriza parece servir apenas para testar o grau de tolerância da sociedade e para consolidar a ideia de que a reforma se prestaria apenas para dar sobrevida à carreira política de muitos dos atuais congressistas.
Essa tese ofende a inteligência dos eleitores – que não são bobos – e lança uma cortina de fumaça sobre as verdadeiras razões que devem presidir uma reforma política séria.
É preciso lembrar que fórmulas eleitorais engenhosas podem beneficiar a uns e outros, mas a rotatividade que o voto impõe às bancadas é inexorável.
A cada legislatura há um processo de renovação dos quadros políticos que indica que os eleitores, naturalmente, tendem a tomar o interregno entre uma eleição e outra como um período de aprendizado.
Tanto é assim que, apenas para citar as duas últimas eleições gerais, em 2010 e 2014, o índice de renovação na Câmara dos Deputados foi de 46,4% e 43,5%, respectivamente.
Historicamente, o índice de renovação da Casa sempre oscila entre 40% e 50%.
É evidente que esse turnover não representa, necessariamente, um processo de arejamento das ideias que circulam no Congresso.
Há mesmo quem garanta que a legislatura seguinte sempre será qualitativamente pior do que a atual. Pode ser.
Não se pode desconsiderar o fato de que alguns dos eleitos que preenchem as vagas abertas por parlamentares que não se reelegeram não são neófitos na política, tendo ocupado cargos no Executivo ou no próprio Legislativo, nas três esferas de governo.
De qualquer modo, é imprescindível ater-se às questões de fundo que fazem dessa proposta de reforma política em discussão no Congresso um balaio onde parece caber tudo, menos as medidas que, de fato, serão capazes de assentar as bases do País melhor que queremos construir para esta e para as futuras gerações de brasileiros.
Ou seja, por pior que façam o sistema eleitoral, as cadeiras do Parlamento não estão reservadas para os autores da triste façanha.